terça-feira, 28 de janeiro de 2014

LAUDA XXXI


Elementos para a compreensão crítica de pontos da História Econômica Geral

Com Daniel Rocha*
À Prof.ª Dr.ª Rita Almico**
2010*** 
1.
      Tomando como “ponto de partida” a escola teórica marxista e como aporte histórico-econômico a emergência do capitalismo enquanto modo de produção – onde o conjunto das “relações sociais” se desenvolvem através do complexo processo de produção da vida material de uma dada sociedade funcionando pela troca (comércio,circulação,distribuição) de mercadorias, alicerçada na preservação e manutenção da propriedade privada sendo o trabalho  por esta forma assalariado), as “forças produtivas” entendidas enquanto capacidades de transformação da natureza, estas que são percebidas em elementos  tais como meios de produção do trabalho, a exemplo: a matéria-prima, os instrumentos, o conhecimento científico gerado nesta sociedade, as fontes e forma de obtenção de energia, etc.
      Desdobrando assim outra categoria marxiana denominada: “relações de produção” – nas quais para Karl Marx, na ação de produzir, os homens agem sobre a natureza, mas também sobre si mesmos engenhando dessa forma atrelamentos e “relações sociais necessárias” – que caracterizam o modo pelo qual o homem está inserido no processo produtivo e qual o seu posicionamento no ordenamento social, sendo assim resultado da hierarquização das classes.
Não obstante, ambas categorias explanadas estão intimamente ligadas a outra forma teórica da ciência econômica marxista denominada “relações de propriedade” – analisadas sob a lente da história as distintas formas das relações com a propriedade está ligada ao progresso das relações sociais –  as quais no  sistema capitalista possuem um teor privado, no qual os bens de consumo e de produção podem são dominados por um proprietário ou uma instituição, e alcança seu auge na conversão de qualquer atividade produto do trabalho e, por conseguinte, o próprio trabalho em mercadoria.
 2
2.1.
 A organização social percebida no sistema comunal primitivo ou modo de produção gentílico é a formação social para o trabalho pertinente à família. O estrato familiar, fundamentada na divisão sexual do trabalho, é a entidade de produção.
      Onde há a lacuna do Estado e também da propriedade particular. A formação social se manifesta em função dos vínculos de parentesco. Em Marx percebe-se que os modos de produção antigo, asiático e feudal em suas fases desenvolvimento, guardada as devidas proporções, estavam subentendidos na sociedade comunal primitiva.

2.2.
      A segunda fase histórica do progresso das relações que tangem a propriedade – “comunal e estatal da antiguidade” – diz respeito ao modo de produção organizado pela divisão social do trabalho em comércio e trabalho ligado à agricultura, o que da à luz uma vertical oposição entre campo e cidade. Alicerçada na escravidão, forma de produção sistematizada na Antiguidade, a exemplo do caso de sociedades como desenvolvimento do Estado romano. Ainda que houvesse a instituição do trabalho livre, a escravidão é fonte de exploração do trabalhador e o escravo, conseqüente, mercadoria central nas relações de produção no tempo antigo.
      O modo de produção antigo está diretamente atrelado ao surgimento e desenvolvimento das cidades. Não obstante estas permanecem ligadas e dependentes da formas de subsistências gestadas no campo. A propriedade privada surge neste modo de produção.


2.3
      O Feudalismo, a era da “propriedade feudal ou por estamentos”, tendo o modo de produção feudal que entra em emergência como fusão e reordenamento dos modos de produção germânico e escravista. Dando origem a próxima formação histórica da propriedade. A formação histórica e social era agrária e possuindo o feudo como matriz independente de produção. A propriedade antes pública ou particular torna-se propriedade coletiva dos senhores feudais.  No processo econômico os servos são a classe explorada e pilar da produção. O regimento da servidão produz a dependência do servo à gleba e a produção material é voltada para o senhor do feudal.

2.4.
      Tem-se então o modo de produção asiático, oriental ou despótico no qual a “propriedade comunal ou tribal” é estrutura de sua arquitetura. O funcionamento da produção desse sistema é a servidão coletiva, pela qual a produção é voltada para o ente Estado. São modelos elevados deste modo de produção a Mesopotâmia e o Egito. A unidade de produção auto-suficiente de agricultura e manufatura corresponde à aldeia comunal, assim ocorre uma superação da dicotomia cidade/campo.
      O formens asiático funda-se nos vínculos fixos que o sujeito tem com a coletividade. Metabolismo social este assegurado pela ação coercitiva do poder de um déspota que mantém de tal modo de produção.
3.



3.1
      O modo de produção feudal para Marx é aquele em que o produtor domina os meios de produção e aparece como mecanismo produtivo independente. Essa independência em relação à classe dominante vai ocasionar uma disputa constante entre nobres e servos na luta pela terra, já que essa constitui o eixo central de sustentação desse sistema. Dobb, por sua vez, acredita que havia uma variabilidade relativa desse sistema dependendo do local a ser analisado. Ele constata que a melhor forma de definição é aquela caracterizada como “jurídico-política”, a qual a relação vassalo e soberano garantia os laços de servidão, sendo a característica essencial desse modo de produção.  Já Sweezy desconsidera a análise feita por Dobb, e considera que os laços de servidão  e o sistema feudal não coadunam. O feudalismo para ele é aquele no qual a os valores de uso e elementos externam atuam como força motriz de uma “dinâmica” feudal.   Perry Anderson em seu texto faz uma análise estritamente política na qual o Estado Absolutista seria resultado de uma herança feudal, em que uma nobreza reinventada detinha o poder, e que por ser a terra ainda um eixo determinante dessa sociedade, ela era eminentemente feudal.

3.2
      Dentre as várias críticas feitas aos trabalhos de Dobb, as que mais causaram impactos foram as de Sweezy. O debate foi construído dentro do escopo da escola marxista, porém devido à amplitude do mesmo, atingiu outras escolas de pensamento. Além das questões referentes à transição dos modos de produção, a própria metodologia marxiana seria discutida. Neste viés de discussão epistemológica, Sweezy atribuía a desintegração do sistema feudal a fatores externos, no caso o renascimento comercial. Segundo ele, as contradições internas do feudalismo não culminariam no fim do feudalismo. Por outro lado, Dobb sustenta a idéia de que “a necessidade crescente por maiores rendimentos por parte da nobreza resultou na intensificação da exploração sobre os servos até níveis insuportáveis, acentuando a luta de classes e determinando, no longo prazo, o colapso da economia feudal”.
      A importância deste debate reside no fato de compreender as aplicações das teorias marxistas enquanto métodos de investigação histórica.

3.3
      Em relação à Sweezy, Mariutti acredita que ele dá muita importância as relações comerciais, considerando-a como força motriz capaz de desestruturar o feudalismo, não encontrando, portanto sustentação na teoria marxista. Já em relação à Dobb, que apesar de considerar como fator preponderante fatores internos como a luta de classes entre nobres e servos pela posse da terra, não conseguiu obter sucesso já que Mariutti acredita que o feudalismo não foi um modo de produção (o que constitui um equívoco).
4.
      As afirmações de Perry Anderson e Sweezy sintetizam o modo como o Estado Absolutista possuía em sua formação uma dominação exercida pela aristocracia feudal. O Estado nada mais era do que uma recomposição de uma nobreza que queria continuar detendo o poder, o que de certo modo se contrapõe a teoria de Engels, o qual acreditava que existia um equilíbrio de poder entre uma nobreza decadente e uma burguesia em ascensão.
      Apesar de haver características similares com o Estado tipicamente burguês como o exército, direito instituído e burocracia, ainda havia uma grade concentração de camponeses no campo evidenciando relações feudais persistentes e, de certo modo, dominantes.
5.



5.1
      Para Perry Anderson as “inovações” do Estado Absolutista vão caracterizar uma nova forma de tratar as relações feudais e serão essenciais para a passagem do feudalismo para o capitalismo. A institucionalização do mercantilismo pelo Estado Absolutista vai promover a expansão das relações comerciais que vão implicar na mudança estrutural de exploração agrária feudal. Se anteriormente a exploração do camponês se dava através de laços servis, agora ela foi diluída e transformou o camponês em ‘trabalhador livre’ e sujeito a ‘contrato salarial’, e promoveu a ascensão de uma burguesia urbana. “A ordem política permaneceu feudal e, ao passo que a sociedade tornava-se cada vez mais burguesa” (ANDERSON, Perry apud Engels), já quem detinha o poder político nesse momento era uma aristocracia feudal que tinha sofrido transformações ao longo da Idade Média. 
      Com a expansão mercantilista e uma ascensão burguesa, do ponto de vista econômico era necessária a introdução de um mecanismo que regulasse a propriedade privada e que permitisse a livre circulação de capital, nesse momento é que vai ressurgir o direito romano o qual vai ter um papel fundamental já que uma das suas características essenciais é a concepção de propriedade privada absoluta da terra, sendo um marco da era moderna. O exército, por sua vez, deriva da necessidade da expansão e extração dos excedentes, e a guerra naquele momento era o modo mais rápido e racional de consegui-los.  A guerra, portanto vai permitir que a nobreza amplie aquilo que lhe dá mais poder: a terra. Já o surgimento do sistema burocrático no Estado Absolutista vai possibilitar tanto um melhoramento das cobranças de impostos quanto de controle econômico. Apesar de Perry Anderson considerar fatores como esses necessários a transição do modo produção feudal para o modo produção capitalista, vai tratá-los como paradoxais. Apesar de haver uma diluição dos laços feudais, nessa época ainda vai existir uma grande gama de camponeses que vão sofrer forte pressão do Estado, contrapondo-se a uma burguesia comercial em ascensão e que já dá forma as manufaturas pré-capitalistas. Outro exemplo é a burocracia instaurada no seio da monarquia, que nada mais é do que um resquício de uma nobreza feudal que quer se manter no poder e que não contribui com o Estado. Outro resquício de um período anterior são as guerras, que também são uma herança eminentemente feudal, no qual o príncipe para se manter no poder deveria dispor das “espadas”, vale lembrar que nessa época já se esboçava uma diplomacia que operava em nível micro que surgia apenas com o objetivo de conseguir apoio de pequenas comunidades que podiam vir a ser um entrave na gestão do monarca.

5.2
      O ressurgimento do Direito Romano na sociedade Moderna vai ser de grande importância, ele vai resultar na tentativa de construir um arcabouço jurídico em torno da garantia e delimitação da propriedade privada baseada nos preceitos clássicos, sendo o conceito de propriedade privada absoluta da terra uma de suas características principais e que marcam a época Moderna.
      Economicamente, vai proporcionar o início das relações capitalista com a livre circulação de capital na cidade e no campo, proporcionando a garantia dos interesses da burguesia comercial e manufatureira. Já politicamente, vai assegurar a manutenção do poder nas mãos de uma aristocracia feudal. O Direito Romano então pode ser considerado a arma intelectual das monarquias, a qual vai coincidir com seus objetivos de integração territorial e centralização administrativa; já que os reis nessas circunstâncias eram isentos de restrições legais, além de proporcionar, ainda que em pequena escala uma  distribuição do poder entre as classes proprietárias da época.



 * É estudante do bacharelado em Ciências Sociais na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB.
** Possui graduação em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1995), mestrado em História Econômica pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (2001) e doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense (2009). Foi professora adjunta da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e de pós graduação da Faculdade São Bento da Bahia, sendo atualmente professora adjunta da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense.
*** Realizamos eu e Daniel este texto como requisito para a aprovação na disciplina de História Econômica Geral, ministrada na UFRB, em Cachoeira pela Professora Rita Almico.

     
     
     






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