terça-feira, 28 de janeiro de 2014

LAUDA XXXI


Elementos para a compreensão crítica de pontos da História Econômica Geral

Com Daniel Rocha*
À Prof.ª Dr.ª Rita Almico**
2010*** 
1.
      Tomando como “ponto de partida” a escola teórica marxista e como aporte histórico-econômico a emergência do capitalismo enquanto modo de produção – onde o conjunto das “relações sociais” se desenvolvem através do complexo processo de produção da vida material de uma dada sociedade funcionando pela troca (comércio,circulação,distribuição) de mercadorias, alicerçada na preservação e manutenção da propriedade privada sendo o trabalho  por esta forma assalariado), as “forças produtivas” entendidas enquanto capacidades de transformação da natureza, estas que são percebidas em elementos  tais como meios de produção do trabalho, a exemplo: a matéria-prima, os instrumentos, o conhecimento científico gerado nesta sociedade, as fontes e forma de obtenção de energia, etc.
      Desdobrando assim outra categoria marxiana denominada: “relações de produção” – nas quais para Karl Marx, na ação de produzir, os homens agem sobre a natureza, mas também sobre si mesmos engenhando dessa forma atrelamentos e “relações sociais necessárias” – que caracterizam o modo pelo qual o homem está inserido no processo produtivo e qual o seu posicionamento no ordenamento social, sendo assim resultado da hierarquização das classes.
Não obstante, ambas categorias explanadas estão intimamente ligadas a outra forma teórica da ciência econômica marxista denominada “relações de propriedade” – analisadas sob a lente da história as distintas formas das relações com a propriedade está ligada ao progresso das relações sociais –  as quais no  sistema capitalista possuem um teor privado, no qual os bens de consumo e de produção podem são dominados por um proprietário ou uma instituição, e alcança seu auge na conversão de qualquer atividade produto do trabalho e, por conseguinte, o próprio trabalho em mercadoria.
 2
2.1.
 A organização social percebida no sistema comunal primitivo ou modo de produção gentílico é a formação social para o trabalho pertinente à família. O estrato familiar, fundamentada na divisão sexual do trabalho, é a entidade de produção.
      Onde há a lacuna do Estado e também da propriedade particular. A formação social se manifesta em função dos vínculos de parentesco. Em Marx percebe-se que os modos de produção antigo, asiático e feudal em suas fases desenvolvimento, guardada as devidas proporções, estavam subentendidos na sociedade comunal primitiva.

2.2.
      A segunda fase histórica do progresso das relações que tangem a propriedade – “comunal e estatal da antiguidade” – diz respeito ao modo de produção organizado pela divisão social do trabalho em comércio e trabalho ligado à agricultura, o que da à luz uma vertical oposição entre campo e cidade. Alicerçada na escravidão, forma de produção sistematizada na Antiguidade, a exemplo do caso de sociedades como desenvolvimento do Estado romano. Ainda que houvesse a instituição do trabalho livre, a escravidão é fonte de exploração do trabalhador e o escravo, conseqüente, mercadoria central nas relações de produção no tempo antigo.
      O modo de produção antigo está diretamente atrelado ao surgimento e desenvolvimento das cidades. Não obstante estas permanecem ligadas e dependentes da formas de subsistências gestadas no campo. A propriedade privada surge neste modo de produção.


2.3
      O Feudalismo, a era da “propriedade feudal ou por estamentos”, tendo o modo de produção feudal que entra em emergência como fusão e reordenamento dos modos de produção germânico e escravista. Dando origem a próxima formação histórica da propriedade. A formação histórica e social era agrária e possuindo o feudo como matriz independente de produção. A propriedade antes pública ou particular torna-se propriedade coletiva dos senhores feudais.  No processo econômico os servos são a classe explorada e pilar da produção. O regimento da servidão produz a dependência do servo à gleba e a produção material é voltada para o senhor do feudal.

2.4.
      Tem-se então o modo de produção asiático, oriental ou despótico no qual a “propriedade comunal ou tribal” é estrutura de sua arquitetura. O funcionamento da produção desse sistema é a servidão coletiva, pela qual a produção é voltada para o ente Estado. São modelos elevados deste modo de produção a Mesopotâmia e o Egito. A unidade de produção auto-suficiente de agricultura e manufatura corresponde à aldeia comunal, assim ocorre uma superação da dicotomia cidade/campo.
      O formens asiático funda-se nos vínculos fixos que o sujeito tem com a coletividade. Metabolismo social este assegurado pela ação coercitiva do poder de um déspota que mantém de tal modo de produção.
3.



3.1
      O modo de produção feudal para Marx é aquele em que o produtor domina os meios de produção e aparece como mecanismo produtivo independente. Essa independência em relação à classe dominante vai ocasionar uma disputa constante entre nobres e servos na luta pela terra, já que essa constitui o eixo central de sustentação desse sistema. Dobb, por sua vez, acredita que havia uma variabilidade relativa desse sistema dependendo do local a ser analisado. Ele constata que a melhor forma de definição é aquela caracterizada como “jurídico-política”, a qual a relação vassalo e soberano garantia os laços de servidão, sendo a característica essencial desse modo de produção.  Já Sweezy desconsidera a análise feita por Dobb, e considera que os laços de servidão  e o sistema feudal não coadunam. O feudalismo para ele é aquele no qual a os valores de uso e elementos externam atuam como força motriz de uma “dinâmica” feudal.   Perry Anderson em seu texto faz uma análise estritamente política na qual o Estado Absolutista seria resultado de uma herança feudal, em que uma nobreza reinventada detinha o poder, e que por ser a terra ainda um eixo determinante dessa sociedade, ela era eminentemente feudal.

3.2
      Dentre as várias críticas feitas aos trabalhos de Dobb, as que mais causaram impactos foram as de Sweezy. O debate foi construído dentro do escopo da escola marxista, porém devido à amplitude do mesmo, atingiu outras escolas de pensamento. Além das questões referentes à transição dos modos de produção, a própria metodologia marxiana seria discutida. Neste viés de discussão epistemológica, Sweezy atribuía a desintegração do sistema feudal a fatores externos, no caso o renascimento comercial. Segundo ele, as contradições internas do feudalismo não culminariam no fim do feudalismo. Por outro lado, Dobb sustenta a idéia de que “a necessidade crescente por maiores rendimentos por parte da nobreza resultou na intensificação da exploração sobre os servos até níveis insuportáveis, acentuando a luta de classes e determinando, no longo prazo, o colapso da economia feudal”.
      A importância deste debate reside no fato de compreender as aplicações das teorias marxistas enquanto métodos de investigação histórica.

3.3
      Em relação à Sweezy, Mariutti acredita que ele dá muita importância as relações comerciais, considerando-a como força motriz capaz de desestruturar o feudalismo, não encontrando, portanto sustentação na teoria marxista. Já em relação à Dobb, que apesar de considerar como fator preponderante fatores internos como a luta de classes entre nobres e servos pela posse da terra, não conseguiu obter sucesso já que Mariutti acredita que o feudalismo não foi um modo de produção (o que constitui um equívoco).
4.
      As afirmações de Perry Anderson e Sweezy sintetizam o modo como o Estado Absolutista possuía em sua formação uma dominação exercida pela aristocracia feudal. O Estado nada mais era do que uma recomposição de uma nobreza que queria continuar detendo o poder, o que de certo modo se contrapõe a teoria de Engels, o qual acreditava que existia um equilíbrio de poder entre uma nobreza decadente e uma burguesia em ascensão.
      Apesar de haver características similares com o Estado tipicamente burguês como o exército, direito instituído e burocracia, ainda havia uma grade concentração de camponeses no campo evidenciando relações feudais persistentes e, de certo modo, dominantes.
5.



5.1
      Para Perry Anderson as “inovações” do Estado Absolutista vão caracterizar uma nova forma de tratar as relações feudais e serão essenciais para a passagem do feudalismo para o capitalismo. A institucionalização do mercantilismo pelo Estado Absolutista vai promover a expansão das relações comerciais que vão implicar na mudança estrutural de exploração agrária feudal. Se anteriormente a exploração do camponês se dava através de laços servis, agora ela foi diluída e transformou o camponês em ‘trabalhador livre’ e sujeito a ‘contrato salarial’, e promoveu a ascensão de uma burguesia urbana. “A ordem política permaneceu feudal e, ao passo que a sociedade tornava-se cada vez mais burguesa” (ANDERSON, Perry apud Engels), já quem detinha o poder político nesse momento era uma aristocracia feudal que tinha sofrido transformações ao longo da Idade Média. 
      Com a expansão mercantilista e uma ascensão burguesa, do ponto de vista econômico era necessária a introdução de um mecanismo que regulasse a propriedade privada e que permitisse a livre circulação de capital, nesse momento é que vai ressurgir o direito romano o qual vai ter um papel fundamental já que uma das suas características essenciais é a concepção de propriedade privada absoluta da terra, sendo um marco da era moderna. O exército, por sua vez, deriva da necessidade da expansão e extração dos excedentes, e a guerra naquele momento era o modo mais rápido e racional de consegui-los.  A guerra, portanto vai permitir que a nobreza amplie aquilo que lhe dá mais poder: a terra. Já o surgimento do sistema burocrático no Estado Absolutista vai possibilitar tanto um melhoramento das cobranças de impostos quanto de controle econômico. Apesar de Perry Anderson considerar fatores como esses necessários a transição do modo produção feudal para o modo produção capitalista, vai tratá-los como paradoxais. Apesar de haver uma diluição dos laços feudais, nessa época ainda vai existir uma grande gama de camponeses que vão sofrer forte pressão do Estado, contrapondo-se a uma burguesia comercial em ascensão e que já dá forma as manufaturas pré-capitalistas. Outro exemplo é a burocracia instaurada no seio da monarquia, que nada mais é do que um resquício de uma nobreza feudal que quer se manter no poder e que não contribui com o Estado. Outro resquício de um período anterior são as guerras, que também são uma herança eminentemente feudal, no qual o príncipe para se manter no poder deveria dispor das “espadas”, vale lembrar que nessa época já se esboçava uma diplomacia que operava em nível micro que surgia apenas com o objetivo de conseguir apoio de pequenas comunidades que podiam vir a ser um entrave na gestão do monarca.

5.2
      O ressurgimento do Direito Romano na sociedade Moderna vai ser de grande importância, ele vai resultar na tentativa de construir um arcabouço jurídico em torno da garantia e delimitação da propriedade privada baseada nos preceitos clássicos, sendo o conceito de propriedade privada absoluta da terra uma de suas características principais e que marcam a época Moderna.
      Economicamente, vai proporcionar o início das relações capitalista com a livre circulação de capital na cidade e no campo, proporcionando a garantia dos interesses da burguesia comercial e manufatureira. Já politicamente, vai assegurar a manutenção do poder nas mãos de uma aristocracia feudal. O Direito Romano então pode ser considerado a arma intelectual das monarquias, a qual vai coincidir com seus objetivos de integração territorial e centralização administrativa; já que os reis nessas circunstâncias eram isentos de restrições legais, além de proporcionar, ainda que em pequena escala uma  distribuição do poder entre as classes proprietárias da época.



 * É estudante do bacharelado em Ciências Sociais na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB.
** Possui graduação em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1995), mestrado em História Econômica pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (2001) e doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense (2009). Foi professora adjunta da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e de pós graduação da Faculdade São Bento da Bahia, sendo atualmente professora adjunta da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense.
*** Realizamos eu e Daniel este texto como requisito para a aprovação na disciplina de História Econômica Geral, ministrada na UFRB, em Cachoeira pela Professora Rita Almico.

     
     
     






sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Lauda XXX

Antropologia Visual na Universidade Estadual de Santa Cruz- UESC.




Ritual Indígena em Ilhéus, Tribo Tupinamba de Olivença.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Lauda XXIX




Creio que a minha obra como escritor é tão extensa quanto a de pintor. Materialmente, dediquei o mesmo tempo a ambas. Talvez algum dia, quando já tiver desaparecido, apareça nas enciclopédias da seguinte forma:  “Pablo Ruiz Picasso: poeta e autor dramático espanhol. Dele, se conservam algumas pinturas”.

 (P.89, 1985 O pensamento vivo  de Picasso, Ediouro.)


Poemas 

I
Eu me divirto
vendo a bruxa
incendiar o mundo
com os seus lábios de fogo.

II

À tarde
puxo delicadamente
com as unhas
a minha pele
e sinto toda aquela chama
que já está acesa
às cinco da manhã
e mais ainda agora
às três da tarde
e que faz ferver
os meus dez dedos.

III

O feltro
acolhe o pão
o mel quente
e os jasmins.

Tradução livre de Jaime Leitão.

***

“En el fondo, soy un poeta que se malogró. ¿No te parece?”

***

Deita fora todos os números não essenciais à tua sobrevivência.
Isso inclui idade, peso e altura.
Deixa o médico preocupar-se com eles.
É para isso que ele é pago.
Frequenta, de preferência, amigos alegres.
Os de "baixo astral" põem-te em baixo.
Continua aprendendo...
Aprende mais sobre computador, artesanato, jardinagem, qualquer coisa.
Não deixes o teu cérebro desocupado.
Uma mente sem uso é a oficina do diabo.
E o nome do diabo é Alzheimer.

Aprecia coisas simples.
Ri sempre, muito e alto.
Ri até perder o fôlego.
Lágrimas acontecem.
Aguenta, sofre e segue em frente.
A única pessoa que te acompanha a vida toda és tu mesmo.
Mantém-te vivo, enquanto vives!

Rodeia-te daquilo de que gostas:
Família, animais, lembranças, músicas, plantas, um hobby, o que for.
O teu lar é o teu refúgio.
Aproveita a tua saúde;
Se for boa, preserva-a.
Se está instável, melhora-a.
Se está abaixo desse nível, pede ajuda.
Não faças viagens de remorso.
Viaja para a cidade vizinha, para um país estrangeiro, mas não faças
viagens ao passado.
Diz a quem amas, que realmente os amas, em todas as
oportunidades.

E lembra-te sempre que:
A vida não é medida pelo número de vezes que respiraste, mas pelos momentos
Em que perdeste o fôlego:
De tanto rir...
De surpresa...
De êxtase...
De felicidade...


PABLO PICASSO

Lauda XXVIII







Na Grécia antiga, o saber era conceitual, filosófico, ou seja, aquele capaz de sintetizar as experiências, tirando-as de sua desconcertante multiplicidade e reduzindo-as a uma sentença esclarecedora e universalmente válida. Na Idade Média, o saber haveria de servir a Deus - era teológico. No Renascimento, o saber deu início ao curso que o marcaria até hoje, estando ligado à experiência, ao contato direto com a natureza, com os corpos. O saber teria de ser harmônico com a natureza, teria de ter uma forma. Assim, o saber se assemelhava à arte, era quase estético, de um lado, e técnico de outro. Ou seja, a ciência sempre servia a uma outra esfera, ou melhor, confundia-se plenamente com ela: com a filosofia, com a teologia, com a arte, com a tecnologia. E agora? E no texto de Weber, a ciência é filosófica, teológica, estética, tecnológica?






PIERUCCI, Antônio Flávio. O desencantamento do mundo: todos os passos do conceito em Max Weber. São Paulo: Ed. 34, 2003.

Lauda XXVII

  DURKHEIM E AS FORMAS ELEMENTARES DA VIDA RELIGIOSA:

Apontamentos dispersos de uma leitura não sistemática.



Religião, ciência, filosofia, arte: revolução? Na leitura do texto que foi no título anunciado, a religião é apresentada como uma “forma elaborada de conhecimento.” Esta, orienta noções de tempo, de espaço, de gênero, de número, de causa, de substância, de personalidade, etc. A “ossatura” social, derivada da religião, atua enquanto uma percepção de um estado mental coletivo.
É um quadro abstrato e impessoal que envolve não apenas nossa existência individual, mas, a da humanidade.” (p.17)

Kant e a experiência do conhecimento, a apreensão do real, essa e outras questões estão na raiz do pensamento do sociólogo francês, com o desenvolvimento de uma sociologia fundada num neokantismo voltado para os problemas sociais, “decalque”...

Questões de contradição, identidade então determinadas por regras históricas e sociais aliadas a contribuição mental, que alcança na universalidade um lugar comum dos espíritos, como por exemplo, a necessidade de nomear, sob a qual se apresenta a contradição entre o conhecimento a priori e o sujeito enquanto operário da construção do real.

 “importa ainda examinar o que é a religião de uma maneira geral. É o problema que, em todas as épocas, tentou a curiosidade dos filósofos e não sem razão, pois interessa à humanidade inteira.”

É claro que voltado a resolver os problemas da filosofia transcendental de Kant, Durkheim opera uma crítica ao método dialético. E avança em suas exposições

“Como todas as religiões são comparáveis, e como todas são espécies de um mesmo gênero, há necessariamente elementos essenciais que lhe são comuns” 

“As semelhanças exteriores supõem outras que são profundas” e “ Na base de todos os sistemas de crença todos os cultos, deve necessariamente haver um certo numero de representações fundamentais e de atitudes rituais que, apesar da diversidade de formas que tanto uma como outras puderam revestir, têm sempre a mesma significação objetiva e desempenham por toda parte as mesmas funções. São esses elementos permanentes que constituem o que há de eterno e de humano na religião; eles são o conteúdo objetivo da ideia que se  exprime quando se fala da religião em geral.”


Meios, ritos, circunstâncias, crenças diferenciam os modos de experimentar a atividade religiosa. Sacerdotes, místicos, monges, leigos, racionalistas, teólogos e profetas são categorias que definem o sistema religioso em Durkheim, onde expressões de sacrifício ou profetismo, a vida monástica ou de mistérios são formas de “encontrar os estados fundamentais característicos da mentalidade religiosa”. 

Lauda XXVI

HABERMAS SOBRE A MODERNIDADE: A TEORIA SOCIAL EM SEU SENTIDO FILOSÓFICO.



A modernidade se configura entre outros elementos pela racionalização e a diferenciação. Nesse sentido, o processo para quem se interessa nesse estudo, enquanto referencial teórico de abordagem é o conjunto das tradições que se envolvem em investigar e interpretar os fenômenos da modernização, do moderno, da modernidade e a formação de “esferas culturais de valor[1]” relativamente autônomas. O que permite por sua vez a autonomia da arte.

“É a mentalidade moderna, implantada a partir do Renascimento, que confere às belas-artes uma posição especificamente definida, atribuindo-lhes a função espiritual privilegiada de se unirem a práxis formadora à essência contemplativa do belo (NUNES, s.d., p. 33)

Nesse conjunto, temos Max Weber e Antony Giddens (1991), na sociologia, Habermas e Nietsche (1992) na filosofia e Panofsky (1994) e Townsend (1997) no campo da teoria estética. Como mediação a esses debates, no contexto nacional, para a literatura específica desses assuntos, é bom tomar como referencial teórico o pensamento de Sérgio Miceli[2] e Maria Arminda[3], Antônio Cândido na sociologia da cultura, Benedito Nunes e Silvano Santiago, na filosofia da estética.

***

Em Habermas, no seu livro O Discurso Filosófico da Modernidade, no texto sobre o assunto aparece a ideia de que
“Para Max Weber ainda era evidente a relação interna e não a meramente contingente, entre a modernidade e aquilo que designou como racionalismo ocidental. Descrever como “racional” aquele processo de desencantamento ocorrido na Europa que, ao destruir as imagens religiosas do mundo, criou uma cultura profana. As ciências empíricas modernas, as artes tornadas autônomas e as teorias morais e jurídicas fundamentadas em princípios formaram “as esferas culturais de valor” que possibilitaram processos de aprendizados de problemas teóricos, estéticos ou prático-morais, segundo suas respectivas legalidades internas.” (p.3-4)

Revela-nos, esse fragmento, que a reação iconoclasta à Igreja foi o estopim para a sobredeterminação de um mundo simbólico e cultural burguês sobre a esfera social anterior, operando a criação de uma realidade simbólica que ao organizar os valores e gostos do mundo capitalista, em emergência, no plano de constituição de uma consciência social histórica de caráter racional, passou assim a atribuir sentido secular à vida social moderna e reificou o caráter da arte.

O aparecimento da “empresa capitalista”, que no nosso campo de estudo, será identificado com as galerias de arte, em concurso com o “aparelho burocrático do Estado”, produzindo um processo social que permitirá inferir do contexto cultural da formação do campo artístico um processo de “modernização”. Que se reflete na transformação das formas de produção da vida em sociedade, assim “à medida que o cotidiano foi tomado por esta racionalização cultural e social, dissolveram-se também as formas de vida tradicionais, que no início da modernidade se diferenciam principalmente em função das corporações de oficio.” (p. 4)

Ainda segundo Habermas “O mundo da vida[4] racionalizado é caracterizado antes por um relacionamento reflexivo com tradições[5] que perderam sua espontaneidade natural”[6], ou seja, o diálogo com formas estruturadas da vida social, a tradição, permite a extração de elementos que, a partir de então, vão compor o cenário da modernidade. Ou seja, o comércio de gravuras e outras obras de arte realizado por Hansen na galeria Oxumaré, logo no início de sua chegada à Bahia e depois todas as outras[7] bem como na passagem de Hansen pela Academia de Belas Artes da UFBA. 

“A teoria da modernização efetua sobre o conceito Weberiano de “modernidade” uma abstração plena de consequências. Ela separa a modernidade de suas origens – a Europa dos tempos modernos para estilizá-la em um padrão, neutralizado no tempo e no espaço, de processos de desenvolvimento social em geral. Além disso, rompe os veículos internos entre modernidade e o contexto histórico do racionalismo ocidental, de tal modo que os processos de modernização já não podem mais ser compreendidos como racionalização, como uma objetivação histórica das estruturas racionais.” (p.5)

De tal maneira, a crítica da razão iluminista, tomada enquanto “vontade dominação instrumental” é posta diante da noção de “esclarecimento[8]”, na qual a racionalização é resultado de uma “subjetividade subjugadora e subjugada” de forma que a crítica dialética leva a uma “autocompreensão da Modernidade”. Assim, em revisão dos pressupostos filosóficos, retornamos a Hegel.

“Ora, Hegel foi o primeiro filosofo que desenvolveu um conceito claro de modernidade; em razão disso é necessário retornar a Hegel se quisermos entender o que significou a relação interna entre modernidade e racionalidade, que permaneceu evidente até Max Weber e hoje é posta em questão.”

As expressões “temps moderns” e “modern times”, que representam a ideia de que o futuro já começou, presente na história moderna desde o século 18, possui um núcleo de sentido fundado nas categorias de revolução, pensamento, progresso, emancipação, desenvolvimento, crise e espírito do tempo.  Tempos modernos de onde surge o expressionismo, corrente a que Hansen está atrelado mas que ele o reinventa com uma baianidade recriada a imagem das gravuras literárias de Jorge Amado. Logo

Elas lançam uma luz histórico-conceitual sobre o problema que se põe à cultura ocidental com a consciência histórica da modernidade, elucidada com o auxilio do conceito antitético de “tempos modernos”: a modernidade não pode e não quer tomar dos modelos de outras épocas os seus critérios de orientação, ela tem de extrair de si mesma, sem a possibilidade de apelar para subterfúgios. Isso explica a suscetibilidade da sua autocompreensão, a dinâmica das tentativas de “afirmar-se” a si mesma, que prosseguem sem descanso até nossos dias.” (p.12)

Assim, é na arte que a modernidade vai encontrar condições de operar uma crítica compreensiva e dialética dos fenômenos sociais que se manifestam nesse contexto de rupturas e retomadas, com uma visão e posição analítica acerca dos antecedentes da cultura moderna.

“É no domínio da crítica estética que pela primeira vez se toma consciência do problema de uma fundamentação da modernidade a partir de si mesma. Isso fica claro quando acompanhamos a história conceitual do termo “moderno”. Os “modernos” questionam o sentido de imitação dos modelos antigos com argumentos histórico-críticos.” (p.13)

Daí se deriva a justificativa para a construção e investigação de nosso objeto, já que é intrinsecamente no contexto do mundo da arte, ou melhor, na esfera cultural, que se podem perceber as questões radicais em relação ao contexto que, se busca averiguar com este trabalho, que são os aspectos que nos permitam entrevê as raízes da modernidade na obra de arte, no universo da segunda geração do modernismo baiano.



Logo, em consonância com nosso prisma histórico filosófico observa-se, segundo Habermas, que “o adjetivo “moderno” foi substantivado só muito mais tarde, aproximadamente nos meados do século 19 e, pela primeira vez, ainda no domínio das belas artes.” (p.13-14) Isso explica porque as expressões Moderne ou Modernität, modernité, conservaram até hoje um núcleo de significação estético marcado pela autocompreensão da arte de vanguarda.” (P.14)

O Salão de 1846 em especial revela uma reflexão metódica do sentido da crítica e da situação da arte contemporânea. O crítico alicerça seu texto com observações teóricas e temáticas que alternam com análises descritivas e evocações sugestivas. (ABES, G. J. , 2010, 136-137)

Assim é, que na fundamentação filosófica e crítica de nossa exposição Baudelaire[9] –sobre quem  “podemos ainda ressaltar a rápida ascensão de sua crítica que, em apenas sete anos, evoluirá para a dos Salões. Aliás, é interessante notar que sua crítica literária foi bem menos extensa que a de arte. (ABES, G. J. , 2010, p.137) – oferece  pressuposto para o argumento central no qual se funda a pesquisa, o poeta e crítico de arte francês, nos indica que nesse momento a “experiência estética confundia-se com a experiência histórica da modernidade.[10]

REFERÊNCIAS.
BAUDELAIRE, Charles. Correspondance. I, II: 1832-1860/ 1860-1866. Paris: Gallimard, 1973.

ABES, GILLES JEAN. Charles Baudelaire E Sua Primeira Crítica De Arte: Tradução De Uma Carta De 1838 Endereçada Ao Coronel Aupick.. Scientia Traductionis, n.7, 2010





[1] Cabe nota sobre onde e como aparece a expressão em Weber, Habermas e Bourdieu.
[2] Nacional e Estrangeiro, Imagens Negociadas.
[3] “Metrópole e Cultura.
[4] Penso em discutir o conceito a partir do referencial de Schultz.
[5] A noção de tradição de Eliot e os avanços realizados com o texto sobre a cultura e a arte.
[6] (idem.)
[7] Buscar nomes das galerias na época.
[8] Nota sobre o conceito de esclarecimento da escola de Frankfurt.
[9] Trecho de Carta de Baudelaire ao pai sobre visita ao palácio de Versalhes, como detalhe para as obras de pintura da residência real. “Je ne sais si j’ai raison, puisque je ne sais rien en fait de peinture, mais il m’a semblé que les bons tableaux se comptaient; je dis peut-être une bêtise, mais à la réserve de quelques tableaux d’Horace Vernet, de deux ou trois tableaux de Scheffer, et de la Bataille de Taillebourg de Delacroix je n’ai gardé souvenir de rien, excepté  . Tous les tableaux du temps de l’empire qu’on dit fort beaux, paraissent souvent si réguliers, si froids; leurs personnages sont souvent échelonnés comme des arbres ou des figurants d’opéra. Il est sans doute bien ridicule à moi de parler ainsi des peintres de l’empire qu’on a tant loués; je parle peut-être à tort et à travers; mais je ne rends compte que de mes impressions: peut-être est-ce là le fruit des lectures de la Presse qui porte aux nues Delacroix? (BAUDELAIRE, 1973 apud ABES, G. J. 142, 2010) tradução: "Eu não sei se estou certo, porque eu não sei nada, na verdade, nem pintar, mas pareceu-me que os bons quadros tinham, posso dizer, algo estúpido, mas na reserva alguns quadros de Horace Vernet, dois ou três quadros de Scheffer, e a Batalha de Taillebourg de Delacroix eu não mantive lembrança de nada, a não ser uma imagem estática de Regnault não sei de qualquer casamento do imperador Joseph, mas este quadro é distinto de um todo(sic) de outra forma. Todos quadros da época do império que eles dizem muito bonito, muitas vezes parece tão regular, tão frio, seus personagens são muitas vezes cambaleantes como árvores ou figurantes de ópera. Provavelmente é ridículo para mim falar sobre os pintores do império como nós contratamos, posso estar errado e por meio de conversas, mas eu percebo que as minhas impressões: talvez sejam resultado da leitura da imprensa que exalta de Delacroix? (Baudelaire, 1973 apud ABES, GJ 142, 2010)
[10] Habermas (idem)

Lauda XXV

SOBRE O PENSAMENTO SOCIAL DE H. ARENDT E AS RELAÇÕES ENTRE A ESFERA PÚBLICA E A ESFERA PRIVADA.



“O único fator material indispensável para a geração do poder é a convivência entre as pessoas”

No entender de Hannah Arendt, o estabelecimento do complexo social, ou seja, as relações sociais desenvolvidas entre os sujeitos são marcadamente dotadas de caracteres políticos. A dicotomia esfera pública/esfera privada apresentada pela autora, serve como paradigma teórico para explicitar como são gestadas as relações de poder no seio da sociedade ocidental desde a “polis”grega, perpassando a “societas” romana, alcançando as dimensões medieva-feudais através das leituras de Sto. Tomás de Aquino e Sto. Agostinho desembocando na modernidade das relações burguesas apontando de tal maneira para uma aguda crítica aos pressupostos marxianos em vários aspectos.

De modo que a percepção analítica e filosófica de Arendt, apoiando-se na ética cristã termina por indicar a demanda das interações sociais num plano de massificação tanto da ação quanto do comportamento, categorias estas últimas que sintetizam a lógica do pensamento da autora, pois que a compreensão da sociedade orgânica do “lar” sendo “devorada” pela sociedade exterior e reprodutiva de massas, gera sobremaneira os argumentos que justificam a construção social do poder e como manifestam os elementos de dominação seja ela econômica, política e cultural.

Desde as relações de escravagismo ou dominação territorial, bem como de patriarcalismo ou excelência em público é possível observar que a panaceia para o estabelecido problema do conflito ou das inerentes contradições que emprenham a convivência social é a assunção de que não é possível viver como um “deus” no isolamento, logo as problemáticas que se apresentam no meio social, ou político, devam ser dissolvidas pela tomada de consciência de que esta é a condição humana.