quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Lauda XXVI

HABERMAS SOBRE A MODERNIDADE: A TEORIA SOCIAL EM SEU SENTIDO FILOSÓFICO.



A modernidade se configura entre outros elementos pela racionalização e a diferenciação. Nesse sentido, o processo para quem se interessa nesse estudo, enquanto referencial teórico de abordagem é o conjunto das tradições que se envolvem em investigar e interpretar os fenômenos da modernização, do moderno, da modernidade e a formação de “esferas culturais de valor[1]” relativamente autônomas. O que permite por sua vez a autonomia da arte.

“É a mentalidade moderna, implantada a partir do Renascimento, que confere às belas-artes uma posição especificamente definida, atribuindo-lhes a função espiritual privilegiada de se unirem a práxis formadora à essência contemplativa do belo (NUNES, s.d., p. 33)

Nesse conjunto, temos Max Weber e Antony Giddens (1991), na sociologia, Habermas e Nietsche (1992) na filosofia e Panofsky (1994) e Townsend (1997) no campo da teoria estética. Como mediação a esses debates, no contexto nacional, para a literatura específica desses assuntos, é bom tomar como referencial teórico o pensamento de Sérgio Miceli[2] e Maria Arminda[3], Antônio Cândido na sociologia da cultura, Benedito Nunes e Silvano Santiago, na filosofia da estética.

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Em Habermas, no seu livro O Discurso Filosófico da Modernidade, no texto sobre o assunto aparece a ideia de que
“Para Max Weber ainda era evidente a relação interna e não a meramente contingente, entre a modernidade e aquilo que designou como racionalismo ocidental. Descrever como “racional” aquele processo de desencantamento ocorrido na Europa que, ao destruir as imagens religiosas do mundo, criou uma cultura profana. As ciências empíricas modernas, as artes tornadas autônomas e as teorias morais e jurídicas fundamentadas em princípios formaram “as esferas culturais de valor” que possibilitaram processos de aprendizados de problemas teóricos, estéticos ou prático-morais, segundo suas respectivas legalidades internas.” (p.3-4)

Revela-nos, esse fragmento, que a reação iconoclasta à Igreja foi o estopim para a sobredeterminação de um mundo simbólico e cultural burguês sobre a esfera social anterior, operando a criação de uma realidade simbólica que ao organizar os valores e gostos do mundo capitalista, em emergência, no plano de constituição de uma consciência social histórica de caráter racional, passou assim a atribuir sentido secular à vida social moderna e reificou o caráter da arte.

O aparecimento da “empresa capitalista”, que no nosso campo de estudo, será identificado com as galerias de arte, em concurso com o “aparelho burocrático do Estado”, produzindo um processo social que permitirá inferir do contexto cultural da formação do campo artístico um processo de “modernização”. Que se reflete na transformação das formas de produção da vida em sociedade, assim “à medida que o cotidiano foi tomado por esta racionalização cultural e social, dissolveram-se também as formas de vida tradicionais, que no início da modernidade se diferenciam principalmente em função das corporações de oficio.” (p. 4)

Ainda segundo Habermas “O mundo da vida[4] racionalizado é caracterizado antes por um relacionamento reflexivo com tradições[5] que perderam sua espontaneidade natural”[6], ou seja, o diálogo com formas estruturadas da vida social, a tradição, permite a extração de elementos que, a partir de então, vão compor o cenário da modernidade. Ou seja, o comércio de gravuras e outras obras de arte realizado por Hansen na galeria Oxumaré, logo no início de sua chegada à Bahia e depois todas as outras[7] bem como na passagem de Hansen pela Academia de Belas Artes da UFBA. 

“A teoria da modernização efetua sobre o conceito Weberiano de “modernidade” uma abstração plena de consequências. Ela separa a modernidade de suas origens – a Europa dos tempos modernos para estilizá-la em um padrão, neutralizado no tempo e no espaço, de processos de desenvolvimento social em geral. Além disso, rompe os veículos internos entre modernidade e o contexto histórico do racionalismo ocidental, de tal modo que os processos de modernização já não podem mais ser compreendidos como racionalização, como uma objetivação histórica das estruturas racionais.” (p.5)

De tal maneira, a crítica da razão iluminista, tomada enquanto “vontade dominação instrumental” é posta diante da noção de “esclarecimento[8]”, na qual a racionalização é resultado de uma “subjetividade subjugadora e subjugada” de forma que a crítica dialética leva a uma “autocompreensão da Modernidade”. Assim, em revisão dos pressupostos filosóficos, retornamos a Hegel.

“Ora, Hegel foi o primeiro filosofo que desenvolveu um conceito claro de modernidade; em razão disso é necessário retornar a Hegel se quisermos entender o que significou a relação interna entre modernidade e racionalidade, que permaneceu evidente até Max Weber e hoje é posta em questão.”

As expressões “temps moderns” e “modern times”, que representam a ideia de que o futuro já começou, presente na história moderna desde o século 18, possui um núcleo de sentido fundado nas categorias de revolução, pensamento, progresso, emancipação, desenvolvimento, crise e espírito do tempo.  Tempos modernos de onde surge o expressionismo, corrente a que Hansen está atrelado mas que ele o reinventa com uma baianidade recriada a imagem das gravuras literárias de Jorge Amado. Logo

Elas lançam uma luz histórico-conceitual sobre o problema que se põe à cultura ocidental com a consciência histórica da modernidade, elucidada com o auxilio do conceito antitético de “tempos modernos”: a modernidade não pode e não quer tomar dos modelos de outras épocas os seus critérios de orientação, ela tem de extrair de si mesma, sem a possibilidade de apelar para subterfúgios. Isso explica a suscetibilidade da sua autocompreensão, a dinâmica das tentativas de “afirmar-se” a si mesma, que prosseguem sem descanso até nossos dias.” (p.12)

Assim, é na arte que a modernidade vai encontrar condições de operar uma crítica compreensiva e dialética dos fenômenos sociais que se manifestam nesse contexto de rupturas e retomadas, com uma visão e posição analítica acerca dos antecedentes da cultura moderna.

“É no domínio da crítica estética que pela primeira vez se toma consciência do problema de uma fundamentação da modernidade a partir de si mesma. Isso fica claro quando acompanhamos a história conceitual do termo “moderno”. Os “modernos” questionam o sentido de imitação dos modelos antigos com argumentos histórico-críticos.” (p.13)

Daí se deriva a justificativa para a construção e investigação de nosso objeto, já que é intrinsecamente no contexto do mundo da arte, ou melhor, na esfera cultural, que se podem perceber as questões radicais em relação ao contexto que, se busca averiguar com este trabalho, que são os aspectos que nos permitam entrevê as raízes da modernidade na obra de arte, no universo da segunda geração do modernismo baiano.



Logo, em consonância com nosso prisma histórico filosófico observa-se, segundo Habermas, que “o adjetivo “moderno” foi substantivado só muito mais tarde, aproximadamente nos meados do século 19 e, pela primeira vez, ainda no domínio das belas artes.” (p.13-14) Isso explica porque as expressões Moderne ou Modernität, modernité, conservaram até hoje um núcleo de significação estético marcado pela autocompreensão da arte de vanguarda.” (P.14)

O Salão de 1846 em especial revela uma reflexão metódica do sentido da crítica e da situação da arte contemporânea. O crítico alicerça seu texto com observações teóricas e temáticas que alternam com análises descritivas e evocações sugestivas. (ABES, G. J. , 2010, 136-137)

Assim é, que na fundamentação filosófica e crítica de nossa exposição Baudelaire[9] –sobre quem  “podemos ainda ressaltar a rápida ascensão de sua crítica que, em apenas sete anos, evoluirá para a dos Salões. Aliás, é interessante notar que sua crítica literária foi bem menos extensa que a de arte. (ABES, G. J. , 2010, p.137) – oferece  pressuposto para o argumento central no qual se funda a pesquisa, o poeta e crítico de arte francês, nos indica que nesse momento a “experiência estética confundia-se com a experiência histórica da modernidade.[10]

REFERÊNCIAS.
BAUDELAIRE, Charles. Correspondance. I, II: 1832-1860/ 1860-1866. Paris: Gallimard, 1973.

ABES, GILLES JEAN. Charles Baudelaire E Sua Primeira Crítica De Arte: Tradução De Uma Carta De 1838 Endereçada Ao Coronel Aupick.. Scientia Traductionis, n.7, 2010





[1] Cabe nota sobre onde e como aparece a expressão em Weber, Habermas e Bourdieu.
[2] Nacional e Estrangeiro, Imagens Negociadas.
[3] “Metrópole e Cultura.
[4] Penso em discutir o conceito a partir do referencial de Schultz.
[5] A noção de tradição de Eliot e os avanços realizados com o texto sobre a cultura e a arte.
[6] (idem.)
[7] Buscar nomes das galerias na época.
[8] Nota sobre o conceito de esclarecimento da escola de Frankfurt.
[9] Trecho de Carta de Baudelaire ao pai sobre visita ao palácio de Versalhes, como detalhe para as obras de pintura da residência real. “Je ne sais si j’ai raison, puisque je ne sais rien en fait de peinture, mais il m’a semblé que les bons tableaux se comptaient; je dis peut-être une bêtise, mais à la réserve de quelques tableaux d’Horace Vernet, de deux ou trois tableaux de Scheffer, et de la Bataille de Taillebourg de Delacroix je n’ai gardé souvenir de rien, excepté  . Tous les tableaux du temps de l’empire qu’on dit fort beaux, paraissent souvent si réguliers, si froids; leurs personnages sont souvent échelonnés comme des arbres ou des figurants d’opéra. Il est sans doute bien ridicule à moi de parler ainsi des peintres de l’empire qu’on a tant loués; je parle peut-être à tort et à travers; mais je ne rends compte que de mes impressions: peut-être est-ce là le fruit des lectures de la Presse qui porte aux nues Delacroix? (BAUDELAIRE, 1973 apud ABES, G. J. 142, 2010) tradução: "Eu não sei se estou certo, porque eu não sei nada, na verdade, nem pintar, mas pareceu-me que os bons quadros tinham, posso dizer, algo estúpido, mas na reserva alguns quadros de Horace Vernet, dois ou três quadros de Scheffer, e a Batalha de Taillebourg de Delacroix eu não mantive lembrança de nada, a não ser uma imagem estática de Regnault não sei de qualquer casamento do imperador Joseph, mas este quadro é distinto de um todo(sic) de outra forma. Todos quadros da época do império que eles dizem muito bonito, muitas vezes parece tão regular, tão frio, seus personagens são muitas vezes cambaleantes como árvores ou figurantes de ópera. Provavelmente é ridículo para mim falar sobre os pintores do império como nós contratamos, posso estar errado e por meio de conversas, mas eu percebo que as minhas impressões: talvez sejam resultado da leitura da imprensa que exalta de Delacroix? (Baudelaire, 1973 apud ABES, GJ 142, 2010)
[10] Habermas (idem)

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