sábado, 15 de dezembro de 2012

LAUDA V



Emíle Durkheim (1858  1917) teórico francês, que estuda fontes de solidariedade, apontadas como mecânica primitiva, mostra de uma sociedade sem Estado e orgânica, caracterizada pela complexidade interdependência das economias e onde tem-se uma espécie de diferenciação obscurecida. Num desenvolvimento metodológico para sociologia, o francês opera seu pensamento cientifico através uma organização social orientada pelo trabalho, como expôs em Da divisão do trabalho social (1893). Dando ênfase no elemento não contratual do contrato, numa espécie de crítica a Spencer, articulando indivíduo e liberdade em função da obrigação social, dependente de um complexo jurídico, econômico, religioso e estético tem-se os "faits sociaux".
Em A Noção de Representação em Durkheim, ensaio de raro fôlego e profunda densidade e rigoroso grau analítico e perspicácia no que tange a aproximação das Ciências Sociais com a Filosofia em regime crítico, escrito por Fernando Pinheiro Filho, que utiliza de aspectos relevantes para discutir conceitos e categorias imprescindíveis para a compreensão do pensamento social do francês, nos apresentando um rico panorama interpretativo.

O exemplo, de As formas elementares da vida religiosa (1912), em que corpo e alma são vistos sob o ponto de mudança social, as "representações coletivas" derivando de certa "consciência coletiva" dariam contornos a uma espécie de "morfologia social" resultante num "simbolismo coletivo" que compreende "determinantes estruturais" "produto dessa determinação" coletiva. A religião vista enquanto um pensamento coextensivo, uma metainstituição numa relação entre crenças religiosas e cognitivas abarcando assim uma teoria geral das representações coletivas.

Em O Suicídio (1897) a vida coletiva é o sinônimo de suas próprias representações, a heurística opera a superação da epistemologia kantiana culminando numa sociologia do conhecimento. Uma evolução da concepção durkheimiana de representação, o neo criticismo: pós-kantismo. Na direção de uma fundamentação racional do conhecimento, mediando a natureza humana e as representações coletivas numa dualidade entre a sociologia das categorias e a teoria das representações.

O corpo, o indivíduo, aquele que se exprime diante do espírito, o pensamento social, a moral que toma a forma de outra coisa que não nós mesmos, resultado do encontro sensibilidade e razão, uma primeira dicotomia do pensamento de Kant, uma crítica ao apriorismo. Caminhando para a origem social dos problemas postos entre a sociologia e a filosofia entende-se com base na leitura, que "o espírito humano é um sistema de fenômenos tomado como coisa, objetivação que supera as idiossincrasias dos psiquismos individuais, ele revela através de sua origem na sociedade a sua verdadeira natureza." A imposição do sagrado, por exemplo, como operação psíquica de síntese das consequências individuais em que se dá sua gênese.

A sociedade que é a transcendência do eu e ao mesmo tempo fonte de humanidade do homem formando sua personalidade na e pela força coletiva, sendo os conteúdos da mente via de entrada para representações coletivas. A representação que enquanto processo de pensamento por percepção é ao passo conteúdo do processo emanando ou afetando a mente sendo capaz de fixar-se. Num misto de representações sensíveis (fluxos não cristalizados) e pensamento conceitual, representações coletivas, associação numa síntese de elementos dispersos no meio social, as representações coletivas remetem à natureza supraindividual do homem, exprime o ideal coletivo que tem origem na religião. São, portanto, impessoais e estáveis, comuns a todos na medida em que emanam da comunidade dos homens e assim, instrumentos de intelecção do mundo e comunicação entre razões individuais.

As representações coletivas, enquanto forma-conteúdo das relações sociais encontra no totemismo o instrumento de justaposição dos indivíduos e os supera na configuração sui generis, é imediatamente hipostasiado simbolicamente no totem do clã, como a força da associação dos homens.

Na religião tomada enquanto metainstituição, simbolização, síntese coletiva que objetiva-se no indivíduo. A totalidade põe em debate a sociologia das categorias e o neocriticismo, numa relação estabelecida entre as representações individuais e as representações coletivas, entendendo representação enquanto síntese preenhe de autonomia. A espiritualidade, característica dos fatos intelectuais, se torna representação social, quando o hiperespírito, a sociedade ("ser especial") totaliza, transpõe as representações coletivas já que o sentido dos conceitos está na realidade coletiva.

Aproximando-se de Kant, põe-se em debate o empirismo e o apriorismo, na busca de entendimento da gênese das representações coletivas na religião, com base em uma epistemologia sociológica dotada de universalidade, observação e experiência do fenômeno social, no qual o real é fundado na experiência do coletivo. Ainda que tempo e espaço precedem, a experiência, são leis do espírito. O real é aquilo que pode ser demonstrado, "é um tecido de relações entre o fenômeno e a coisas em si, sensibilidade e entendimento, representação em relação as categorias socialmente determinadas certame entre razão e experiência, uma superação sócio-filosófica da teoria do conhecimento”.





quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Lauda IV

Enquanto elaboram-se, na cabeça desse leitor, formas mais desenvolvidas de ideias e pensamentos, que mereçam ser compartilhadas neste Blog, deixo-vos com uma atividade apresentada no III Encontro Baiano de Estudos em Cultura neste ano de 2012.

O trabalho intitulado:

ETNOGRAFIA DO SAMBA DE RODA: A RODA VISTA DE DENTRO, PATRIMÔNIO IMATERIAL, ATUALIDADES E REGISTROS;

Possui o seguinte Resumo:

"A presente proposta apresenta o desenvolvimento de um estudo de campo no âmbito da antropologia sócio-cultural e um relato de experiência metodologicamente referenciado numa perspectiva sócio-antropológica com vistas a uma investigação de cunho sócio-histórico-biográfico. Evidenciando a intersecção de abordagens para a leitura e observação do tema da cultura do samba de roda em Cachoeira, tendo o Samba de Roda Suerdieck, o samba de roda de D. Dalva, como objeto central da discussão. No que tange a sua realização enquanto manifestação do fenômeno social contemporâneo e suas implicações, se observa um complexo jogo entre questões sociais, políticas e econômicas que interferem na construção e emancipação do campo cultural enquanto tal. Com base em experiências empíricas e vivências práticas alcançou-se a resultante na qual a ciência e a cultura se interpenetram a fim de delinear os contornos da realidade social em estudo. Levantando um olhar crítico sobre questões como música popular, patrimônio histórico cultural material e imaterial além de debates sobre políticas culturais."


Se houver interesse leia aqui.  Se houver mais interesse ainda ouça também aqui. E que venham bons tempos, após a grande greve.

domingo, 5 de agosto de 2012

Lauda III

Breves anotações sobre Max Weber e a ética do espírito.

 
                                         
Conseguimos até agora reunir alguns elementos e argumentos, aspectos e observações que possam elaborar uma crítica análise de fragmentos da obra A ética protestante e o espírito do capitalismo.

É preciso, então, encontrar, tendo em vista a rigidez metodológica,  as relações contidas no arcabouço da investigação weberiana, acerca do que vem a ser chamado o "geist" do sistema social moderno,  a partir do qual infere-se a concatenação de traços históricos, econômicos, políticos e religiosos que se aglutinam para dar uma forma sociológica bem acabada do que Weber denominará cultura capitalista moderna.

Assim, a emergência de um "ethos" próprio para o "modo de vida de inteiros grupos humanos" tem por base uma sustentação histórica no desenvolvimento e renovação das formas do trabalho além de contar com uma "habilidade peculiar de cálculo para obtenção de lucro" no âmbito da atividade comercial. No contexto da gênese e relações de causalidade que possibilitaram a expansão de tal "espírito do capitalismo", está a aparição de "um [novo] estado mental", uma cosmovisão que aceita-se e melhor adapta-se as novas regras econômicas e políticas da sociedade em desenvovlimento, a sociedae burguesa industrial.

A cosmologia protestante, puritana, calvinista entre outros segmentos possibilitou por parte de seus seguidores a prática de uma espécie de "instinto de aquisição" aliado a doutrina do ascetismo determinariam, segundo Weber, o acúmulo por parte dos protestantes e explicaria seu sucesso em relação aos católicos nos postos de trabalho e no processo de formação educacional entre os "gyminaisen" e os outros centros de formação acadêmica e técnica voltadas para o mercado.

De forma que essa tal "fome de riqueza" baseada no espectro religioso, com o sustentáculo intelectual concretizaram a passagem de uma consciência pré-capitalista para a "capitalista" que segundo Weber afastar-se-ia das explicações de ordem materialista, consolidando a teoria weberiana desta forma, no arranjo do pensamento sociológico alemão, enquanto uma bela crítica ao esquema do materialismo histórico.

domingo, 8 de julho de 2012

Lauda II


Contribuição crítica para interpretação de fragmento da obra de Max Weber: 



O lugar do trabalho na ética protestante e no desenvolvimento do capitalismo moderno.

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Colocaremos em estudo um momento da obra do pensador alemão Max Weber (1864 – 1920) teórico das Ciências Sociais e responsável pelo estudo das relações existentes entre a “ética protestante”  e o “espírito do capitalismo”. Weber nasce em Erfurt, filho de um deputado e rico industrial da área têxtil. Nesta obra, o autor analisa a pertinência dos alicerces calvinistas no desenvolvimento do capitalismo. Facultando-nos perceber o grau de influência das concepções religiosas e filosóficas no desenvolvimento econômico da sociedade ocidental.

O presente texto visa apontar aspectos relevantes no que tange acerca do trabalho na esfera das relações socioeconômicas no quesito que elabora as formas da cultura. No que elabora a ética protestante em uma espécie de ascetismo puritano, na Europa berço da cultura ocidental, entendendo o capitalismo como objeto – fusão de objeto e método – numa perspectiva de  analise sociológica sustentada por uma relação casual histórica.

Em Weber os princípios filosóficos de sua abordagem sociológica como modelo para a ciência do real partem dos pressupostos apresentados no bojo das teorias de Dilthey, Windelbad, Rickert captação de relação de sentido, extraindo conteúdo simbólico para dar conta do sinn - sentido da ação.

Nesse contexto, temos o atrelamento da confissão religiosa e estratificação social, de forma que os protestantes se desenvolveram economicamente na direção de postos de trabalho elevados das grandes empresas, além de aparecerem socialmente enquanto proprietários do capital, empresários formando uma espécie de camada superior, e caracterizando-se também como mão de obra qualificada técnica ou comercialmente.

Ocorrendo assim, no interior da dinâmica capitalista baseada no trabalho, uma certa reorganização da população em camadas sociais e profissionais segundo as suas necessidades. O que por sua vez aparece enquanto causa, mas sim consequência do fenômeno histórico em estudo que é a redefinição das formas estruturais da organização sócio-econômica na modernidade. 

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Assim, eis que surge no esquema teórico weberiano, como base para uma explicação racional da conjuntura que se formula, a ideia de “herança” para justificar uma determinada “educação dispendiosa” recebida por parte dos protestantes, juntamente com o fator marcrosociológico que é o enriquecimento das cidades protestantes desde o século XVI, a saber são exemplos Baden e Renânia, de modo que aparelhado por pesquisa que levantou estatísticas religiosas entre os judeus, católicos e protestantes.

Com certeza, a emancipação ante o tradicionalismo econômico aparece como um momento excepcionalmente propício a inclinação a duvidar até mesmo da tradição religiosa e a se rebelar contra as autoridades em geral. (WEBER, 2010, p.30)
Do ponto onde se opera o rompimento de visão de mundo conservantista, para a manifestação da modernidade na prática da vida social, no que toca suas relações e modos operandi no bojo de uma passagem na qual “a reforma significou não tanto a eliminação da dominação eclesiástica sobre a vida de modo geral quanto a substituição de uma forma vigente por outra”. Logo, o conjunto de valores e ethos que se elaboram nessa “substituição” por sua vez “penetrava todas as esferas da vida doméstica e pública até os limites do concebível”, o que nos permite inferir das palavras de Weber que com o trabalho não foi diferente.

No campo das doutrinas religiosas durante os períodos de dominação católica que segundo os textos do livro A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, dão conta do século XV seguido pela dominação calvinista nos séculos XVI e XVII ilustrando dessa maneira uma crítica a insuficiência de dominação eclesiástico-religiosa, pois que no seio da sociedade protestaniza se formularam as [classes médias] “burguesas”. Desencadeando assim a dominação cultural “consequência da superioridade estatística de seu cabedal historicamente herdado” gerando diferentemente dos católicos, que geravam – mestres artesãos –, o pathos protestante permitiu a formação de um grupo de trabalhadores que podem vir a ser identificados como “operariados qualificados” e também ao passo ocupantes de “postos administrativos” o que configura certa capacidade de liderança e por sua vez possibilidade de emergência da classe dominante através da dominação do processo produtivo.

Entendendo todo esse processo como resultante de uma “peculiaridade espiritual inculcada” que possibilitou a “escolha da profissão pela educação” num tipo de “destino profissional” o que sobre maneira concretiza o “racionalismo econômico”, mas que por sua vez se distingue do “materialismo” pois que se baseia na “secularização dos conteúdos da vida.” Sendo assim avistamos como e porque os protestantes podem ser entendidos como “detentores do desenvolvimento industrial moderno”.

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Diante de um arsenal de abordagens teóricas que permitem observar um “cultura dos sentidos” na adoção da “regulamentação religiosa da vida com o mais intenso desenvolvimento do senso de negócios” o que se desdobra do “estranhamento da vida” derivado da religião que se estende em uma construção teórico prática que podemos entender sobre o signo de “espírito do trabalho”. De maneira que a compreensão do real vem com o estabelecimento do construto epistemológico posto entre objeto, sentido e explicação.

O “espírito” do capitalismo, imbuído da “natureza do objeto” revela o objetivo conceitual posto entre a “individualidade histórica” e a “significação cultural”, o “fenômeno histórico” apresentado, ou seja, o que compõem o corpus de “conexões genéticas concretas” dando aspectos que delineiam caracteres que “imperam” no sistema social como: “avareza, crédito, interesse, posses, dever” passam a definir a “essência da coisa” como um jeito de ser em função de um “ethos do ganho” que cristaliza o leitmotive do “utilitarismo”.

Dessa maneira recorremos ainda ao conceito de vocação em Lutero bem como a racionalização para explicar o processo em observação. 


A tentativa de descrever o racionalismo econômico como a feição mais destacada da vida econômica como um todo tem sido feita particularmente por Sombart, muitas vezes através de observações judiciosas e efetivas. Justificadamente, sem dúvida, se por isto se entender a extensão da produtividade do trabalho que, através da subordinação do processo de produção a pontos de vista científicos, o tem aliviado de sua dependência das limitações orgânicas naturais ao indivíduo humano. Este processo de racionalização no campo da ciência e da organização econômica determina indubitavelmente uma parte importante dos ‘ideais da vida’ da moderna sociedade burguesa. (WEBER, 1980, p.203) 

Ampliando o campo de visão da elaboração tanto para a epistemologia quanto para a metodologia vemos o pensamento sociológico apontando para investigação do processo de interação e desenvolvimento social em questão com bases na objetividade científica na determinação de relações entre religião e realidade social ao passo que vê-se também a emergência do trabalho e da economia como normas centrais da cultura capitalista moderna. 

O trabalho a serviço de uma organização racional para o abastecimento de bens materiais à humanidade, sem dúvida, tem-se apresentado sempre aos representantes do espírito do capitalismo como uma das mais importantes finalidades de sua vida profissional. Basta, por exemplo, ler a relação que faz Franklin dos seus esforços a serviço dos melhoramentos comunais em Filadélfia para compreender claramente esta virtude óbvia. (...) Similarmente, ela é uma das características fundamentais de uma economia capitalista individualista, racionalizada com base no cálculo rigoroso, dirigida com previsão e atenção para o sucesso econômico que é procurado, em chocante contraste, com a precária existência do camponês e com o tradicionalismo privilegiado do artesão da guilda e do ‘capitalismo aventureiro’, orientado na exploração de oportunidades políticas e na especulação irracional. (WEBER,1980, p.203)


Assim fundindo argumento e conceito, categorias e método temos diante um quadro da consolidação do tempo em que a história reaparece com pressuposto para a teoria sociológica clássica além de remontar os pontos de interpretação sobre bases onde uma tal sociologia da religião toma forma de projeto intelectual que fundamenta tanto o trabalho como as condições materiais a partir do estudo dos fenômenos da vida religiosa para explicar a expansão capitalista.

A busca por uma compreensão da conduta econômica dos indivíduos em relação à ética protestante, especialmente a calvinista. O que para Weber estabelece uma relação de causalidade entre a prática religiosa e acumulação de capital, a postura de alguns empresários adeptos a seitas puritanas contribuiu para a consolidação do sistema econômico vigente na modernidade. Afirma-se então que as instituições capitalistas como a grande empresa constituem a prova objetiva da racionalização do sistema qualificado por modelos precisos e eficientes.

De tal procedimento investigativo pode-se inferir que a organização de dados estatísticos de níveis de riqueza dos grupos sociais protestantes de algumas regiões da Alemanha levam o autor a procurar estabelecer uma relação entre o espirito do capitalismo e a ética protestante sendo objetivada no caráter do trabalho aliado a ascese puritana, relacionando pensamentos em torno de valores morais e éticos com o comportamento dos indivíduos no que diz respeito a ação individual e coletiva no contexto da prática capitalista.


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Nessa relação das condições sociais e religiosas favoráveis ao capitalismo do “tipo típico” ocidental, verifica-se este enquanto especifico frente análises da China, Índia ou em países que praticam judaísmo. Problematizando atitude peculiar em relação ao trabalho e suas implicações na arena da religião. Doutrinamento do trabalho à Deus, além de apontar o êxito econômico como símbolo de escolha para salvação, assim o trabalho se torna indubitavelmente o meio pelo qual se chega ao salvador.

Possuindo então no individualismo uma espécie de derivação psicológica que favorece a consolidação com o “compromisso eterno” posto diante da fé e que só se alcança diante da superestima do trabalho, desse jeito temos em Weber um apurado senso crítico que busca demonstrar a relação direta entre atitude religiosa e o comportamento econômico. 


Poderia, assim, parecer que o desenvolvimento do espírito do capitalismo seria melhor entendido como parte do desenvolvimento do racionalismo como um todo, e poderia ser deduzido da posição do racionalismo quanto aos problemas básicos da vida. Nesse processo, o protestantismo deveria apenas ser considerado à medida que se constituiu num ‘estágio historicamente anterior’ ao desenvolvimento de uma filosofia puramente racional. Qualquer tentativa séria, porém, de desenvolver esta tese evidencia que um modo tão simples de colocar a questão não daria resultado simplesmente por causa do fato de a história do racionalismo apresentar um desenvolvimento que absolutamente não segue linhas paralelas nos vários setores da vida. (WEBER,1980, p.203)

A direção dos interesses individuais depende do compartilhamento coletivo de uma visão de mundo e da conduta econômica numa tal gestão consciente e interessada dotada de especialização na exploração, agência e manipulação dos “bens de salvação”. E o trabalho como eixo que força, que transforma o ideal em real, justifica, regula e normatiza as condutas sendo a chave explicativa do todo que se elabora em torno do modelo de vida que permite conhecer as práticas e as motivações que as antecedem bem como as ordens e os elementos que compõem o capitalismo enquanto cultura, parte dum fenômeno histórico moderno e sociológico pois, que se entrevê  no que sobra da obra de Max Weber as fontes de manutenção  do sistema de reprodução social que persevera no organograma do ocidente.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Lauda I


Apontamento crítico para A Ciência como Vocação, de Max Weber.



"O compromisso em que nos engajamos só é autêntico quando originado no centro de nosso ser."
Henry Miller

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Quando dei por conta, que devia operar uma escolha científica, conhecendo-me, ou seja, manifestar uma ação social racional - a renuncia - para poder realizar a atividade intelectual enquanto beruf - profissão - surgiu em mim,  por sua vez, uma personalidade, uma auto-consciência pela besinnung - reflexão - , uma consciência de si, que possui como derivado o insulamento, no qual se pode ouvir a voz da "vocação". Ou, nas palavras de Max Weber

 "Sinto-me tentado, também aqui, a dizer que, quando um professor consegue isso, está ao serviço de poderes “morais”: a obrigação de criar claridade e sentimento de responsabilidade; e creio que será tanto mais capaz de o fazer quanto mais conscienciosamente evitar, do seu lado, o desejo de impor ou de  sugerir aos seus ouvintes uma tomada de posição"

A educação,  formação - bildung - , resultado de uma tomada de posição no mundo e na vida social, que é, e, ao mesmo tempo, revela relativo sentido e significado para ciência enquanto trabalho, representa objeto de crítica do pensador alemão Max Weber (1864-1920) em sua palestra para jovens universitários proferida em 1917 em Munique, quando da sua assunção a cátedra de Sociologia da universidade alemã.

Weber, jurista com formação nas aréas da Economia Política, História, Filosofia e Teologia, burguês de família protestante pautava o não engajamento do cientista, prezando pela objetividade nas Ciências Sociais, baseando-as na ética e na moral na busca pela verdade. Sendo norteado pelos principios da racionalização, intelectualização, burocracia, dominação e  se utilizava de conceitos como "tipos ideais" deixando perceber, ao longo de sua obra, um esforço por demonstrar uma certa história do progresso da razão.

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Em a "Ciência como Vocação", é posta em crise a questão da especialização frente a necessidade de progresso do fazer científico, que mediante a instrumentalização do conhecimento produzido põe um fim a universalidade, sugerindo que o cientista coloque "antolhos" sobre si. Desconstruindo assim a figura do gelehrter - o sábio erudito - para erigir a figura do forscher - o pesquisador, investigador - a partir das necessidades, tendo a pesquisa científica enquanto trabalho numa articulação entre o phänomen - fenômeno - e o  sinn - sentido.

Nesse certame, Weber aponta a primazia da razão sobre a irracionalidade, mas também indica que não é possível haver especialização sem paixão, principalmente pelo tema a ser investigado. Se nas palavras do autor "nada tem valor para o homem enquanto homem, se o não puder fazer com paixão." Logo, o  trabalho para ser realizado depende de inspiração, e ainda que o cientificismo oriente o processo, não há conhecimento produzido sem intuição, ou método elaborado sem imaginação - a lembrar da noção de "imaginação sociológica" de W. Mills.

Nesse contexto de equalização dos procedimentos formativos da atividade intelectual, observa-se a ciência enquanto trabalho criativo, e se nas palavras de Henry Miller, em A Sabedoria do Coração,  "a criatividade está no trabalho do cientista, como no do artista, do pensador e do esteta" não podemos também, por seu turno, discordar das palavras escritas em A Origem da Tragédia, quando Nieztsche nos diz que: "A razão funciona melhor quando a emoção esta presente".

A criação na ciência, o novo, fôlego de tudo que é moderno, do progresso depende é claro do controle daquilo que pode ser imprevisível no decorrer da pesquisa, mas deve antes de tudo orientar o talento, a fim de que se cumpra a tarefa e se realize a obra. O grande desafio é responder: "como fazer para dizer algo, que na forma ou no fundo, ninguém, como eu tenha dito ainda?"

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A ideia de vocação apresentada por Weber tem origens na concepção luterana, forjada no sentido de chamado, destino como aparece em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, e que assim denota a condução metódica da vida – lebensführung – apresentada sob o paradigma da sociologia substantiva, reflexiva, baseados na superação articulada da dicotomia de conceitos como erklären - explicação - e compreensão  - verstehen - atingindo o que se entende por sentido – sinn – que orienta a interpretação da  ação social pela sociologia alemã, nesse sentido da formação de uma determinada sociologia da religião alicerçada por uma espécie de teologia protestante.

"se tudo isto é assim, que é que , em rigor, a ciência traz de positivo à "vida" prática e pessoal? E  eis-nos,   mais uma vez perante o problema da sua "vocação". Antes de mais,  fornece conhecimentos  sobre a técnica que, mediante a previsão, serve para dominar a vida, as coisas externas e a ação dos homens (...) métodos de pensamento, instrumentos, formação."

Curiosamente a discussão termina no ponto da formação. O que justifica e dá sentido a ciência enquanto sentido em si mesmo é antes a função da descoberta, criação e superação, já que " toda a "realização" científica significa novas "questões" e quer ser ultrapassada, envelhecer", bem como o sentido moral e ético sustentando o direcionamento da emancipação humana, revestida por uma clareza de conhecer, debitada ao método, caminhando assim para a produção de conhecimento. E nessa estrada Weber aponta em a Ciência como Vocação, que “a vida acadêmica, é , portanto, uma acaso incontralável."

Dessa forma, se apresenta um estudo comparado entre o sistema de ensino superior alemão e o americano no início do século 20, onde evidenciamos no ambiente europeu uma habilitação para lecionar - privatdozent - a partir da qual o salário é gerado pelo nº de alunos nos cursos, e que a nomeação não é de fácil dispensa, sendo oferecido anos para a realização de trabalho científico, já no caso estadunidense inicia-se a carreira no magistério do ensino superior enquanto professor assistente, com salário definido pela instituição, podendo ser dispensado se não lotar os cursos que oferece e ainda leva anos sobrecarregado com atividades acadêmicas dificultando a realização de produção científica.

Na continuidade da análise sobre o professor universitário, ainda observa:

 “Sim, mas viemos às aulas para vivenciar algo mais do que simples análises e verificações de factos” – o erro é buscar no professor algo diverso do que eles encaram – um chefe, e não um docente, mas só como docentes nos é concedida a cátedra." 

Esse ponto do texto weberiano é de suma relação com o desenvolvimento final a que se dirigi a interpretação para o momento em que se sugere para "o individuo que, por si mesmo, se dê conta do sentido último das suas ações". Logo, a leitura aprofunda-se numa assomo de sentenças e axiomas sintomáticos para o entendimento da educação em face condição de intelectual no campo das Ciências Sociais, na modernidade, por exemplo:

 "se em tais condições, vale a pena que alguém adote a ciência como "vocação", ou se ela própria tem em si mesma uma vocação objetivamente relevante, - eis, de novo, um juízo de valor, a cujo respeito nada se pode dizer num auditório universitário. Pois o ensino que ali se dá pressupõe já uma resposta afirmativa. Pessoalmente, respondo pela afirmativa a esta questão, com o meu próprio trabalho. Mas supõe ainda uma resposta prévia à mesma questão o ponto de vista que, como a juventude actual, faz ou – quase sempre - imagina fazer do intelectualismo o pior dos demônios. De facto, para ela vale a frase: “Lembra-te de que o diabo é velho; por isso, faz-te velho, para o compreenderes”. Não se diz isto, naturalmente, a propósito da idade física, mas no sentido de que, perante tal demónio, o meio de acabar com ele, não é a fuga, como hoje com tanto gosto se faz, mas importa, primeiro,  inspecionar até o fim os seus caminhos, para averiguar qual o seu poder e quais os seus limites".
O texto se arranja no sentido de justificar seus próprios argumentos levando em conta "o facto de a ciência ser, hoje, uma “profissão” que se realiza através da especialização em prol da tomada de consciência de si mesmo e do conhecimento de determinadas conexões reais, e não um dom gratuito, fonte de bênçãos e de revelações, na mão de visionários e de profetas, nem também uma parte integrante de sábios e de filósofos  sobre o sentido do mundo – constitui um dado inelutável da nossa situação histórica, a que não podemos escapar, se quisermos ser fiéis a nós próprios."
"Até então, a ciência  ainda não produziu os seus monumentos ciclópicos: para isso também chegara o tempo"  Nieztsche, em A Gaia Ciência.
Situação histórica essa que deixa entrever que as fronteiras do conhecimento, dissipada pelo sol da ciência, e arregimentada pelo sentimento de "entzauberung des welt" - desencantamento do mundo - que desde a dissolução do estado de pré-religião - leia se religião no sentido apicado por Weber, de uma metafísica, gerada por profecias racionais, que dotam o mundo de uma moral e ética que atribuem sentido interior a vida do homem - da magia enquanto processo mágico, mítico, ritual, a desmagificação do mundo pela religião e pela ciência leva a uma racionalização técnico-científica derivando uma secularização e conformando a ascese protestante onde

"Toda teologia é racionalização intelectual do conteúdo salvífico da religião. Nenhuma ciência carece inteiramente de pressupostos, nenhuma consegue fundamentar o seu próprio valor, frente àqueles que rejeitam estes pressupostos. No entanto, a teologia introduz, além disso, para o seu trabalho e para a justificação da sua existência, alguns pressupostos específicos. Cada teologia, inclusive a hindu, parte do pressuposto de que o mundo deve ter um sentido – e a sua questão é esta: como se deve ele interpretar, para que se torne possível pensá-lo?"

No campo da Filosofia e das Artes, Weber retoma Kant e Lukács, este que frequentou os Círculos de Hilderberg, na Alemanha. Em maneira ainda mais polêmica Henry Miller, discute sob a forma de que como

" (...) Cheguei aos prototipos da história da cultura humana, aos mitos que explicam como era compreendido o ato criativo. Não uso a palavra mito no sentido atual e deturpado de "inverdade" trata-se de um erro que só poderia ser cometido por uma sociedade que ficou tão embriagada com acumulação de fatos empíricos que permanece completamente fechada à sabedoria mais profunda da história humana, Mito é o sentido, o significado, a representação dramática da sabedorial moral da raça.O mito usa a totalidade dos sentidos e não apenas o intelecto."

Enquanto o escritor norteamericano crítica essa visão logocentrista, Weber reforça seus argumentos por

"Trata-se de uma situação idêntica à da teoria kantiana do conhecimento, que parte do pressuposto de que "existe a verdade cientifica e é válida"  e em seguida, pergunta: sob que pressupostos racionais é isto (significativamente) possível? Ou idêntica também à situação dos estetas modernos, que partem do pressuposto explícito (assim B. G. von Lukács) ou, o factual, de que "existem obras de Arte" - e em seguida, se interrogam: como é isto (significativamente) possível? 

O "esteta moderno", Henry Miller, por sua vez responde: 

"Quando estudamos um quadro - o que é necessário para realmente vê-lo, especialmente em se tratando de arte moderna -, experimentamos um novo momento de sensibilidade. O contato com o quadro desperta em nós uma nova visão, algo de especial nasce no nosso íntimo". 

Tanto a Arte quanto a Ciência, ainda que cada uma a seu modo levam o homem a um resultado no qual encontram-se o homem e sua sociedade com os "significados espirituais de uma cultura" para fazer frente de maneira crítica aos "símbolos de ansiedade e alienação" gerados pelo modos vivendi da sociedade capitalista moderna.

E assim ficamos com a passagem do pensador alemão que nos deixa intrigante mensagem: 

"é necessário lançar-se ao trabalho e responder -  como homem e de um modo profissional - à "exigência de cada dia". Mas isto é simples e singelo, se cada qual encontrar o demônio que segura os cordelinhos da sua vida e lhe prestar obediência".

Qual o moderno poeta francês, Charles Baudelaire que, no seu poema de abertura do livro, Les Fleurs du Mal (1857), Au Lecteur, nos diz que: 

"C'est le Diable qui tient les fils qui nous remuent!

(...)
Tu le connais, lecteur, ce monstre délicat,

- Hypocrite lecteur, - mon semblable, - mon frère!"