segunda-feira, 24 de março de 2014

LAUDA XXXV


Hoje, por especiais razões, este bolg recebe uma colaboração de autoria estranha ao escritor que aqui em geral publica. Nesse sentido, apresento o texto de Olivia Maia, que comenta sobre um viés bem característico um dos mais intrigantes fenômenos contemporâneos – o fetiche. Sem mais, deixo-vos com o post de hoje. Boa leitura.

"Primeiro estranha-se, depois entranha-se". Fernando Pessoa ( para uma propaganda da bebida em Portugal nos anos 20).

C.C.S.Alvarenga.

***



COCA-COLA – o fetiche colonizador
Coca: a folha sagrada andina.
Cola: a noz sagrada mandengue.

América e África, matéria prima e força de trabalho do produto do mundo moderno? Em concomitância com a apropriação destas fontes e forças, para uma finalidade mercadológica a princípio e especulativa no contexto contemporâneo, nada mais natural que o ícone de uma sociedade de pretensão globalizante seja o resultado da junção das substâncias de poder dos maiores impérios colonizados pelo grande império do capital.

Coca-Cola é o ícone sagrado do capitalismo. Um líquido que nasceu junto com a burguesia norte-americana. Para o qual foi criado o grande culto à imagem. Elemento de consagração da venda do american way of life. Que reúne em sua embalagem exclusiva a combinação do poder mítico ancestral e o poder economicamente racionalizado. Açúcar, cafeína, corante coral, as matérias primas do mercantilismo e venenos que geraram os ovos da serpente da sociedade de controle contemporânea.

Em seu artigo Feitiçaria: Terminologia e Apropriações, publicado em 2009 na revista Sankofa, Suzane Pinho Pêpe atribui ao europeu a visão sobre as práticas rituais africanas que as concebe enquanto fetiche e idolatria. Tal entendimento só poderia vir a partir de uma concepção ocidental, que tende a uma espiritualidade nestes termos. Ao apresentar as maneiras como o termo Fetiche, derivado de feitiçaria – coisa feita – foi se atualizando ela nos revela como a modernidade capitalista se baseia em idolatrias e fetiches.

Dois pensadores voltados para o estudo da indústria cultural na pós-modernidade, Theodor Adorno e Max Horkheimer (1977 apud FONTENELLE, pp. 79-80), fizeram um paralelo entre a visão de Freud e a de Marx, e propuseram a ideia de que se estaria vivendo uma “perversão da cultura”, provocada por uma forma social fetichista. Estenderam suas análises para a realidade histórica americana no contexto da indústria cultural, em que tudo se torna negócio. A denúncia de uma total “fetichização da cultura” contribuiu para a teoria crítica da sociedade contemporânea, baseada na exacerbação das relações de produção e consumo, na descartabilidade, desterritorialização e descontinuidade temporal. (PÊPE, 2009, p.63)

O filme Cola-Conquest nos apresenta diversas facetas deste fetiche e desta prática de idolatria, que é o consumo da Coca-Cola, como uma genealogia da contemporaneidade.




Beira de mar
Beira de mar
Beira de mar na América do Sul
Um selvagem levanta o braço
Abre a mão e tira um caju
Um momento de grande amor
De grande amor

Copacabana
Copacabana
Louca total e completamente louca
A menina muito contente
Toca a coca-cola na boca
Um momento de puro amor
De puro amor

Referências
PÊPE, Suzane Pinho. Feitiçaria: Terminologia e Apropriações. In: Sankofa. Revista de História da África e de Estudos da Diáspora Africana – nº 3 junho/2009.
VELOSO, Caetano. Jóia. In: Jóia, 1975.

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