quinta-feira, 14 de novembro de 2013

LAUDA XXII

QUESTÕES EM ANTROPOLOGIA MODERNA

***

Sobre as “formas de subjetivação” e “agência.”



É indispensável a noção de subjetividade no debate dentro do corpus de uma antropologia crítica ou uma sociologia interpretativa, ou seja, no campo de uma ciência social de base hermenêutica. E o desenvolvimento dessa noção ganha importância quando passamos a observar as relações entre as formas da cultura e seu grau de influência no modo como se organizam e se causam afetos, pensamentos na estrutura interna dos sujeitos atuantes.

Observando juntamente com (ORTNER;2007.p.376) “uma luta sobre o papel do ser social – a pessoa, sujeito, ator ou agente – na sociedade e na história.”  na superação  de tradições como a “restrição” social em Durkheim e o Marx de seu “determinismo” social apresenta-se nos anos 60 com Sartre a primazia da liberdade humana.

O Estruturalismo que maduro em Levi-Strauss se diferencia de Durkheim no par dialético liberdade/determinismo apontando para que o “pensamento humano, em si, é simples um efeito, ou um meio, para o puro jogo da estrutura” (ORTNER; 2007; 377-378). Já na leitura de um “homem em dissolução” temos que “a crítica do conceito de “homem” começa a enfatizar não só as suas qualidades ilusórias de um ponto de vista filosófico (o self como um lócus originário de coerência, intencionalidade, criatividade e assim por diante), mas sua especificidade ideológica.” Com bases numa negativa a “um projeto especificadamente ocidental de dominação: os homens brancos colonialistas.”

Ainda, segundo Ortner, nesse debate a teoria social apresenta o pensamento de Bourdieu que no qual “o sujeito internaliza as estruturas do mundo externo, tanto as definidas culturalmente como as objetivamente reais. Essas estruturas internalizadas formam habitus, um sistema de disposições que inclinam os atores a agir, pensar, e sentir de maneiras consistentes no limite da estrutura.” Assim para Ortner “a principal ênfase da argumentação de Bourdieu sobre habitus é nas formas pelas quais este estabelece uma gama de opções e limites para o ator social.”

A mediação entre as formas de subjetivação e agência, se sintetizam em Giddens quando ele aponta para a teoria da estruturação e como esta é produzida pela interação entre o self e a estrutura social em seus mais diversos níveis de gradação e sentido. A partir da questão que remete a ação, sua determinação mostra-se reflexiva e em regime de dualidade.

***

Cultura e Identidade Étnica entre os conceitos e a política.



As noções de “cultura” e “identidade étnica” são aspectos cada vez mais determinantes nos debates sobre a sociedade, principalmente no século 20 com a emergência das gerações de populações derivadas de processos de miscigenação e hibridização cultural que disputam espaço nas esferas de poder da sociedade moderna.

Assim o arranjo de definições e categorias capazes de reger as letras jurídicas, por exemplo, que são influenciadas pelos desenvolvimentos conceituais no campo de mobilizações em torno da disputa de frentes de “ação social” envolvidas. As “rachaduras hermenêuticas” permitem um exercício da imaginação sociológica observando aspectos como criatividade política e jurídica. A exemplo do que acontece com o conceito “remanescente”, que historiadores e antropólogos reúnem-se para traçar parâmetros de caracterização desta questão.

Nas Ciências Sociais o debate entre as tradições disciplinares que determinam a análise de conteúdo ligado a essas questões estabelece uma superação sistemática e reflexiva para interpretação da realidade histórica e cultural de certas populações. Nesse sentido é possível exemplificar no caso da definição de “quilombola” como essa representação e identidade, enquanto autodeterminação e justificação legal e o atrelamento ao território, marcam de maneira fundamental o processo reconhecimento e identificação de uma matriz cultural de um agente formador de um ethos, característico, que em sua especificidade marca uma determinada cultura partindo da premissa de que seu ethos configura um conjunto de práticas socialmente compartilhadas.

Enfim, toma-se cultura e identidade étnica como “chaves classificatórias” para a determinação dos debates sobre sujeito, poder no jogo de “controle cultural” da “diversidade de sociedades e culturas” transformadas por “mutações estruturalmente semelhantes entre si” através de mecanismos como isolamento, pureza, contaminação, interação no procedimento para estabilizar a alteridade e neutralizar “populações subalternas que é preciso educar e controlar.”(ARRUTI; 1997;p.10)

***
             
O “sujeito” e a “identidade” na “modernidade tardia”.



Desde de quando Stuart Hall (2003) emerge e com ele os cultural studies, novas fronteiras entre o sujeito fragmentado e multideterminado por estruturas fraturadas surgem para dizer dos avanços no campo da crítica literária e da arte como um todo, e principalmente nas ciências sociais, em especial, a antropologia cultural.

A ideia de sujeito e sua formação de identidade nesse período de pós-modernidade,  traz consigo o signo da indeterminação aliado a radicalização de suas contradições em plano de conflito.O homem que parte em estilhaços, ao mesmo tempo remete-se a pontos distantes no tempo e no espaço para fincar pé e adensar sua dimensão mais própria, sua expressão mais peculiar. E em busca dessa idiossincrasia, que marcaria os campos de significação e autodeterminação do sujeito e sua auto referência identitária, passando pelo processo de reconhecimento.


Afirmam-se cada vez mais pontos de tensão e acirramento das desigualdades, produzindo assim um referencial de aproximações e distanciamentos recíprocos por pontes de transmissão de sentido, num plano estético e simbólico no campo da cultura. As relações “desencaixadas” da modernidade radicalizada, pensando com o auxilio de Giddens (1989), revelam a natureza desta desestruturação das identidades num espécie de desregulação das formas ordinárias do reconhecimento do sujeito quanto a gênero, raça etc..

LAUDA XXI




O “novo humanismo” de Marcel Mauss e a etnografia balinesa de C. Geertz.

Os elementos que passam a compor as fronteiras entre sujeito e objeto no campo da antropologia cultural, na virada epistemológica, com os estudos e as descobertas de formas de pensar e sentir diversos do europeu, este homem ocidental, as novas formas de percepção dada pelo encontro com as organizações sociais africanas, em especial, operou uma distinção entre os universos e processos de atribuição de sentido as ações sociais e a agência em si.

As peculiaridades das dimensões psicológicas e etnológicas desses homens não ocidentais, por assim dizer, revelaram os conceitos que refundamentaram esse homem moderno pós crise do racionalismo iluminista do século XIX. Como dito anteriormente, em consonância com estudos de Joseph Campbell, é possível assim pensar que no contexto da antropologia nesse processo de interação

“a questão era encontrar um significado oculto de fenômenos que se moviam manifestamente em um circuito de significado, que eram símbolos explícitos – um discurso mítico, um ritual -, para Mauss trata-se de fazer falar aquilo que se supunha essencialmente mudo.” (BRUMANA, 1983; p.14)

Podemos de tal modo atestar o impacto com que essas complexas formas de expressão e simbolização das crenças, dos rituais, do corpo, da política, da identidade, de si, como a exemplo no caso do choque que arte africana causa no cubofuturismo de Picasso. Esses sinais de redefinição da estética apontam para indícios que deixam perceber a necessidade de novas formas de perceber o homem moderno e as suas formas de representação do real. O que, ainda segundo essa tradição de pensamento francês ao qual Mauss faz parte, nos
“indica a explicação sociológica daquilo que esta escola francesa chamava “representações coletivas” – isto é, as categorias com as quais membros de uma sociedade determinada se expressam, se comunicam, tratam de compreender e controlar a realidade.” (BRUMANA, 1983.p.12)

Segundo a minha compreensão, sobre os indícios do pensamento de Mauss (2003) reflito que, as relações dos homens são postas sobre as categorias de sujeito e pessoa, personagens e máscaras em construções de papéis em dramas sagrados, ou seja, cosmológicos, num complexo jogo entre entidades metafísicas, na representação de substância e modo; pessoa moral, no que tange a valores; e pessoa jurídica, sem desprezarmos a questão de conceitos como corpo e alma, levando em conta a transcendência como em um neo-kantismo herdado de Durkheim. O que o leva a afirmar que “É evidente, sobretudo para nós, que nunca houve ser humano que não tenha tido o senso não apenas do seu corpo, mas também de sua individualidade espiritual e corporal ao mesmo tempo.” (MAUSS; 2003; p.371)

“é que nada do que acontece na realidade social pode ser remetido, como fonte de explicação e/ou justificação, a uma transcendência; ao contrário, essa transcendência – Deus, o sagrado – é que deve ser remetida explicativamente à Sociedade.” (BRUMANA; 1983, p.11)

Em Geertz a etnografia entendida como ciência interpretativa honrando a tradição hermenêutica com um dos seus mais contundentes postulados, com a ênfase na produção simbólica e a preocupação metodológica de operar uma “descrição densa” e com profundidade em busca do significado. Marcado por um conceito de cultura influenciado por Weber no qual o homem está preso a teia de significados derivado de uma “ação social dotada de sentido”, onde a superação da aparência, da realidade e suas dimensões, numa compreensão do real como um texto. Nesse movimento de decifração e desvelamento o simbólico e seu conteúdo de sentido aparente se tornam chaves de entendimento do mundo moderno.

“Porque, em suma, é do homem que se trata. Mas não do homem como fantasma ideológico e impostado, um vazio repleto de retórica. É o homem como totalidade dupla, como processo de reconstrução crítica (crítica, já que deve negar a análise desintegrante) do decomposto na ideologia: em um nível, corpo, alma, inteligência, produções materiais e espirituais, etc.; em um outro nível as distintas humanidades dispersas e segregadas no tempo e no espaço: o maori e o parisiense dos subúrbios, os antigos escandinavos e os hindus, os romanos e os algonquim. Este homem único talvez possa formar a base de um novo humanismo”(BRUMANA, 1983; p.14)


A dualidade entre o “mundo sensível da cultura” e o “mundo inteligível das estruturas socioculturais” configuram enquanto um momento de correlação entre a linguagem posta entre a interpretação e a descrição bem como ocorre entre a operação da distinção entre literatura e antropologia que resiste. Bem como a relação entre compreensão e explicação do símbolo nos remete ao pensamento de que “a antropologia sobreviverá e se tornará cada vez mais necessária enquanto se aprofundar as questões de alteridade e os abismos entre nós e outros.”