O “novo humanismo” de Marcel Mauss e a etnografia balinesa de C. Geertz.
Os elementos que passam
a compor as fronteiras entre sujeito e objeto no campo da antropologia cultural,
na virada epistemológica, com os estudos e as descobertas de formas de pensar e
sentir diversos do europeu, este homem ocidental, as novas formas de percepção
dada pelo encontro com as organizações sociais africanas, em especial, operou
uma distinção entre os universos e processos de atribuição de sentido as ações
sociais e a agência em si.
As peculiaridades das dimensões
psicológicas e etnológicas desses homens não ocidentais, por assim dizer,
revelaram os conceitos que refundamentaram esse homem moderno pós crise do
racionalismo iluminista do século XIX. Como dito anteriormente, em consonância
com estudos de Joseph Campbell, é possível assim pensar que no contexto da
antropologia nesse processo de interação
“a questão era encontrar um significado oculto de
fenômenos que se moviam manifestamente em um circuito de significado, que eram
símbolos explícitos – um discurso mítico, um ritual -, para Mauss trata-se de
fazer falar aquilo que se supunha essencialmente mudo.” (BRUMANA, 1983; p.14)
Podemos de tal modo
atestar o impacto com que essas complexas formas de expressão e simbolização
das crenças, dos rituais, do corpo, da política, da identidade, de si, como a
exemplo no caso do choque que arte africana causa no cubofuturismo de Picasso.
Esses sinais de redefinição da estética apontam para indícios que deixam
perceber a necessidade de novas formas de perceber o homem moderno e as suas
formas de representação do real. O que, ainda segundo essa tradição de pensamento
francês ao qual Mauss faz parte, nos
“indica a explicação sociológica daquilo que esta
escola francesa chamava “representações coletivas” – isto é, as categorias com
as quais membros de uma sociedade determinada se expressam, se comunicam,
tratam de compreender e controlar a realidade.” (BRUMANA, 1983.p.12)
Segundo a minha
compreensão, sobre os indícios do pensamento de Mauss (2003) reflito que, as
relações dos homens são postas sobre as categorias de sujeito e pessoa,
personagens e máscaras em construções de papéis em dramas sagrados, ou seja,
cosmológicos, num complexo jogo entre entidades metafísicas, na representação
de substância e modo; pessoa moral, no que tange a valores; e pessoa jurídica,
sem desprezarmos a questão de conceitos como corpo e alma, levando em conta a
transcendência como em um neo-kantismo herdado de Durkheim. O que o leva a
afirmar que “É evidente, sobretudo para nós, que nunca houve ser humano que não
tenha tido o senso não apenas do seu corpo, mas também de sua individualidade
espiritual e corporal ao mesmo tempo.” (MAUSS; 2003; p.371)
“é que nada do que acontece na realidade social pode
ser remetido, como fonte de explicação e/ou justificação, a uma transcendência;
ao contrário, essa transcendência – Deus, o sagrado – é que deve ser remetida
explicativamente à Sociedade.” (BRUMANA; 1983, p.11)
Em Geertz a etnografia
entendida como ciência interpretativa honrando a tradição hermenêutica com um
dos seus mais contundentes postulados, com a ênfase na produção simbólica e a
preocupação metodológica de operar uma “descrição
densa” e com profundidade em busca do significado. Marcado por um conceito
de cultura influenciado por Weber no qual o homem está preso a teia de
significados derivado de uma “ação social
dotada de sentido”, onde a superação da aparência, da realidade e suas
dimensões, numa compreensão do real como um texto. Nesse movimento de
decifração e desvelamento o simbólico e seu conteúdo de sentido aparente se
tornam chaves de entendimento do mundo moderno.
“Porque, em suma, é do homem que se trata. Mas não
do homem como fantasma ideológico e impostado, um vazio repleto de retórica. É
o homem como totalidade dupla, como processo de reconstrução crítica (crítica,
já que deve negar a análise desintegrante) do decomposto na ideologia: em um
nível, corpo, alma, inteligência, produções materiais e espirituais, etc.; em
um outro nível as distintas humanidades dispersas e segregadas no tempo e no
espaço: o maori e o parisiense dos subúrbios, os antigos escandinavos e os
hindus, os romanos e os algonquim. Este homem único talvez possa formar a base
de um novo humanismo”(BRUMANA, 1983; p.14)
A dualidade entre o “mundo
sensível da cultura” e o “mundo inteligível das estruturas socioculturais”
configuram enquanto um momento de correlação entre a linguagem posta entre a
interpretação e a descrição bem como ocorre entre a operação da distinção entre
literatura e antropologia que resiste. Bem como a relação entre compreensão e
explicação do símbolo nos remete ao pensamento de que “a antropologia
sobreviverá e se tornará cada vez mais necessária enquanto se aprofundar as
questões de alteridade e os abismos entre nós e outros.”
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