sábado, 3 de maio de 2014

A LUCIDEZ DE LÚCIFER – SOCIÓLOGO, O GRIOT CONTEMPORÂNEO: A LINGUAGEM SOCIOESTÉTICA ENTRE A NARRATIVA E ALTERIDADE.




I
A Sociologia é uma linguagem e como tal, regida por um ritmo próprio. Ou melhor, pelo ritmo da Modernidade. A passagem da distinção entre psicologia social e uma física/matemática do social, se refere ao esclarecimento de alguns pontos, principalmente as artes, contradições, alienação, fantasmagoria, o patrimônio cultural, a experiência social. O tempo é o primeiro deles, bem como uma noção de tradição, história e vanguarda[1]. O próximo dos pontos depois do tempo, do instante, do momento do fenômeno é a questão do espaço do mundo social, ou seja, a realidade espacial da experiência socialmente compartilhada. Surgem alguns indícios, uma espécie de condição de existência da realidade, o homem entre solidão e sociedade – ou liberdade e labirinto, em outras palavras: crítica da cultura ou barbárie.

A satisfação da ansiedade seja talvez o primeiro impulso da associação entre os homens. Um jogo posto entre a morte – o cessar da experiência – e o tempo, mediado pela memória e a imaginação, ante os processos racionais e o transcorrer da história social – mas que a noção de história foge a todo historicismo.

Ao invés, a linguagem narrativa sociológica está cheia de atualidade, se coloca sem interdições diante do conhecimento. Não há tabus do lado da criação, sempre que se respeite a verossimilhança entre “teoria” e escritura, a científica-escritura. A postura entre o silêncio, essa dita morte da narrativa – como um trauma – e a pavorosa consciência da barbárie resguarda uma preocupação muito especial com as concatenações da conjectura – as conexões da conjuntura.

A sociologia é um panorama, um mirante de onde pode se ver a atividade social. A partir desta visão ajusta-se o foco sobre este ou aquele fenômeno, se procura ir alem dessa fantasmagoria que distorce, em geral, boa parte das narrativas tanto históricas quanto literárias. A sociologia caracteriza-se enquanto um gênero de conhecimento que ao sofisticar com métodos específicos as interpretações atua como uma espécie de crítica científica do social. Ainda mais sendo esta construída, enquanto uma articulação do real e sua construção no plano da linguagem, mas não só filosófica ou empiricista, racionalista ou poética, mas sim enquanto tradução orientada, no processo de estabilização da subjetividade de um autor e sua matéria de estudo no tempo, uma condensação de discursos coletivos de grupos sociais – que se revelam na investigação das relações de poder – a um só tempo estéticas, ideológicas e morais.

II

O sociólogo é um autor para uma sociologia como narrativa (teórica/científica) – orientada pela epistemologia do método de pesquisa para tomar conhecimento do fenômeno. A teoria social se encontra num intervalo entre a informação produzida pela imprensa, seu poder de comunicação a um leitor solitário, ou a uma comunidade característica, como a acadêmica, e as memórias coletivas e individuais, as reminiscências, o grau tutelar do artesanato intelectual da atividade sociológica o que faz do sociólogo, algo mais do que um cronista ou relator de viagens, mas sim, esse griot contemporâneo.

A linguagem sociológica distingue-se em muito dos outros gêneros narrativos, par excellance. Distinto do romance não apenas pela referência a verossimilhança, em detrimento da ficção, ainda que um modelo teórico, ou melhor, um paradigma metodologicamente orientado, tenha muito de um mundo ficcional como o mundo medieval de Umberto Eco, em o Nome da Rosa. Frente a crônica a sociologia se separa quando ao auferir das relações sociais valores que as podem ser prescritivas, as questões éticas e morais tratadas assim como no mito, enquanto um recurso social para dar lições e conselhos, estas são vistas a luz da sociologia como normas de conduta e práticas que representam e significam a condição de estar em sociedade. 

Der Erzähler, esse homem-linguagem, este pensador que é a um só tempo a ação de narrar e o fenômeno narrado, o texto que descreve e o escritor que escreve, é de uma só vez familiar à experiência social, capaz de nomea-la, circunscrevê-la dentro de conceitos e categorias, mas também capaz de uma estranha forma de conhecer, a presença que em sua atualidade está próxima, mas no transcurso do tempo se distancia, ou afasta-se do objeto que investiga, do fenômeno que narra. Walter Benjamin, no célebre texto de 1936, sobre a condição no narrador na modernidade, aponta que a arte de narrar depende de “um observador localizado numa distância apropriada e num ângulo favorável. Uma experiência quase cotidiana nos impõe a exigência dessa distância e desse ângulo de observação.”

Assim, a narrativa do sociólogo deve contribuir não só para “intercambiar experiências”, mas para, de forma crítica, compreendê-las num âmbito em que se reúna, Teoria e Epistemologia, no exercício de atribuir sentidos e significados desapercebidos para a vida social, ou aparentemente reproduzidos de formas automata, capacitando ao leitor, modos de ver e interpretar em sua própria realidade  e suas questões propostas pela visão atividade sociológica.

As vicissitudes de uma manifestação social não estão no controle daqueles que a manifestam, ainda que estes contribuam ora para a sua manutenção, ora para sua transformação. A passagem do conhecimento que garante a permanência daquele rito, ou daquela manifestação, é uma sucessão de narrativas e suas “leituras” e adaptações, para cada época a partir de cada sujeito e cada povo que manifesta esses dados históricos. Hoje, a natureza e, mais ainda, a natureza do tempo é a atual inevitabilidade contra a qual o homem não sabe mais se rebelar, como outrora nos auspícios deste sonho louco da razão que foi a modernidade.   

Por ocasião de refletir sobre a história oral e num aspecto bem mais ampliado, o hall bem mais vasto da cultura tradicional, retomo as palavras de Benjamin para pontuar que em uma sociologia narrativa, nessa escritura-científica, deve-se prezar que “entre as narrativas escritas, as melhores são as que menos se distinguem das histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos.” Ou seja, o mais útil para esse narrador, caracterizado pelo estilo de vida – o habitus científico do homos sociologicus – mas principalmente ser marcado pelo cosmopolitismo do trânsito ou o que constrói e reconstrói as histórias de seu país e as tradições de sua nação.

Lembrando-se que, quando exponho uma forma de autonomia narrativa, não significa ausência de estrutura ou hegemonia, mas sim um sentido que busca estar em par com as visões mais fundamentais de liberdade humana. Seja autonomia da cultura posta entre a identidade e a representação, ou da arte entre a criação e a reprodução. A autonomia não é liberdade absoluta, mas sinônimo relativo de possibilidade e invenção, a um só tempo que circunscrito e transbordante – autonomia é saber abrir a comporta no regime fechado de uma represa.

III

O ético e o moral, o étnico e o cultural, são as formas da estruturação ontológica do mundo – o fundo no sem fundo das contradições políticas, econômicas e sociais. E a estética é o princípio de todos os fundamentos. Porque é através da imagem[2] que tomamos contato com o mundo – mosaico imaginado – fantasmagoria percebida pela consciência sob a noção de “apercepção sociológica[3]”.

Nesse sentido, a alteridade, ao invés de indicar aparentemente, contradição, diferença ou isolamento, pode significar o “sentimento” de “ver-se o outro em si, de constatar-se em si o desastre, a mortificação ou na alegria do outro”, nas palavras de Oswald de Andrade. Segundo o mesmo, a alteridade no caso brasileiro é uma reminiscência da cultura matriarcal. O ponto de partida dessa visão pode ser encontrado na expressão de “identificação” que os indígenas ao receber em sua taba o estrangeiro manifestavam-se por meio de “lágrimas e lástimas”.[4]

Uma situação de concorres entre egoísmo e individualidade frente à vida em solidariedade dos povos americanos pré-colombinos, se constata pelas formas em que a vida social é afetada pela determinação objetiva e psicológica das relações de propriedade privada em emergência na sociedade capitalista. O que com o apartamento do homem do sentido de comunidade ou vida coletiva o permite engendrar a individualidade como uma separação, ou no termo marxiano uma alienação de uma suposta consciência coletiva socialmente compartilhada.

Na cultura não atingida pelos auspícios da Modernidade a relação social é construída solidariamente em referencia ao clã, a tribo ou a comunidade com base em uma Weltanschauung realtiva; já ante o outro se desperta a aversão e o sentido de dominação. O complexo paroxismo entre comunhão e devoração representa-se no rito da antropofagia. O eu e o outro estão em constante imanência. O “medo ancestral” diante da existência, ou seja, esse “pavor” de viver consigo mesmo[5], exige uma libertação que se resolve pela estratégia da devoração, ressignifica-se na contemporaneidade essa condição,[6] na qual solidariedade é alteridade – “um viver nos outros” – ainda que revestida de pressupostos morais.



[1]Para melhor apresentar a questão do tempo é preciso retomar as noções de “comunidade imaginada” de Benedict Anderson, de “invenção das tradições” de Eric Hobsbawn e principalmente a “concepção dialética da História” de A. Gramsci, além das construções sobre história social e “memória coletiva” do M. Hawlbacks. 

[2] Seja a imagem poética, sonora, metafórica, alegórica, etc.

[3] Ademais ver Edmund Hurssel.

[4] CARDIM, Fernão. Tratados da terra e gente do Brasil. Série V Brasiliana, Vol. 168. p. 150. s/d. apud ANDRADE, Oswald. Um Aspecto Antropofágico da Cultura Brasileira – O Homem Cordial (1950).  In: A Utopia Antropofágica. p. 217. s/d. Neste texto Oswald reúne um conjunto de citações que vão desde Sérgio Buarque de Holanda à Robert Briffault.  Os filósofos Sören Kierkegaard, Martin Heidegeer, J-P. Sartre e Karl Jaspers são também acionados, além do poeta Mallarmé.

[5] “em apoiar-se em si próprio em todas as circunstâncias da existência”. HOLANDA, Sérgio Buarque. O Homem Cordial. In: Raízes do Brasil. 2ª edição. p. 213-216 apud (idem.)

[6] Ora niilista, como em Nietzsche ou Sartre, de angústia como em Kierkgaard, cuidado em Hieddger, ou  “naufrágio” como em Karl Jaspers e Mallarmé.(op. cit.)

quarta-feira, 2 de abril de 2014

LAUDA XXXVI




Em 2014, 50 anos do Golpe Militar, 20 anos do Filme : Lamarca. Hoje cinema no Blog.


segunda-feira, 24 de março de 2014

LAUDA XXXV


Hoje, por especiais razões, este bolg recebe uma colaboração de autoria estranha ao escritor que aqui em geral publica. Nesse sentido, apresento o texto de Olivia Maia, que comenta sobre um viés bem característico um dos mais intrigantes fenômenos contemporâneos – o fetiche. Sem mais, deixo-vos com o post de hoje. Boa leitura.

"Primeiro estranha-se, depois entranha-se". Fernando Pessoa ( para uma propaganda da bebida em Portugal nos anos 20).

C.C.S.Alvarenga.

***



COCA-COLA – o fetiche colonizador
Coca: a folha sagrada andina.
Cola: a noz sagrada mandengue.

América e África, matéria prima e força de trabalho do produto do mundo moderno? Em concomitância com a apropriação destas fontes e forças, para uma finalidade mercadológica a princípio e especulativa no contexto contemporâneo, nada mais natural que o ícone de uma sociedade de pretensão globalizante seja o resultado da junção das substâncias de poder dos maiores impérios colonizados pelo grande império do capital.

Coca-Cola é o ícone sagrado do capitalismo. Um líquido que nasceu junto com a burguesia norte-americana. Para o qual foi criado o grande culto à imagem. Elemento de consagração da venda do american way of life. Que reúne em sua embalagem exclusiva a combinação do poder mítico ancestral e o poder economicamente racionalizado. Açúcar, cafeína, corante coral, as matérias primas do mercantilismo e venenos que geraram os ovos da serpente da sociedade de controle contemporânea.

Em seu artigo Feitiçaria: Terminologia e Apropriações, publicado em 2009 na revista Sankofa, Suzane Pinho Pêpe atribui ao europeu a visão sobre as práticas rituais africanas que as concebe enquanto fetiche e idolatria. Tal entendimento só poderia vir a partir de uma concepção ocidental, que tende a uma espiritualidade nestes termos. Ao apresentar as maneiras como o termo Fetiche, derivado de feitiçaria – coisa feita – foi se atualizando ela nos revela como a modernidade capitalista se baseia em idolatrias e fetiches.

Dois pensadores voltados para o estudo da indústria cultural na pós-modernidade, Theodor Adorno e Max Horkheimer (1977 apud FONTENELLE, pp. 79-80), fizeram um paralelo entre a visão de Freud e a de Marx, e propuseram a ideia de que se estaria vivendo uma “perversão da cultura”, provocada por uma forma social fetichista. Estenderam suas análises para a realidade histórica americana no contexto da indústria cultural, em que tudo se torna negócio. A denúncia de uma total “fetichização da cultura” contribuiu para a teoria crítica da sociedade contemporânea, baseada na exacerbação das relações de produção e consumo, na descartabilidade, desterritorialização e descontinuidade temporal. (PÊPE, 2009, p.63)

O filme Cola-Conquest nos apresenta diversas facetas deste fetiche e desta prática de idolatria, que é o consumo da Coca-Cola, como uma genealogia da contemporaneidade.




Beira de mar
Beira de mar
Beira de mar na América do Sul
Um selvagem levanta o braço
Abre a mão e tira um caju
Um momento de grande amor
De grande amor

Copacabana
Copacabana
Louca total e completamente louca
A menina muito contente
Toca a coca-cola na boca
Um momento de puro amor
De puro amor

Referências
PÊPE, Suzane Pinho. Feitiçaria: Terminologia e Apropriações. In: Sankofa. Revista de História da África e de Estudos da Diáspora Africana – nº 3 junho/2009.
VELOSO, Caetano. Jóia. In: Jóia, 1975.

sexta-feira, 21 de março de 2014

LAUDA XXXIV


Palimpsestos de um pensador e as contradições da razão.


Alguns livros, contam sobre fatos, histórias, contos ou fábulas, mitos ou teorias, métodos etc., outros  retomam e nos remonta a toda uma época. A distância entre o clima mental renascentista – envolto em ares de modernidade – e a atmosfera enevoada do baixo medievo sobre a relação entre a tradição helênica e a mentalidade racionalista se torna observável, a partir do momento em que se passa a dar mais importância às fontes de pesquisa, principalmente enquanto consulta para referência crítica das indicações bibliográficas e possibilidade de averiguação da credibilidade das referidas citações, apontadas com elementos de distinção entre períodos e visões das ciências humanas e sociais sobre a sociedade.
A teoria é como ter a visão de um pensamento ainda não escrito, o olhar por sobre uma realidade ainda não revelada. Constata-se a imagem do (e|ou) no espelho como metáfora da reflexividade e circularidade da representação da modernidade no contemporâneo. A projeção de uma visão de conjectura sistemática é a espécie história social sociologizada. A conjuntura social da modernidade revelou o intelectual renascentista, posto entre a socioestética humanista o código de honra e virtude herdado da teologia católica frente a paradigmas oriundos de um modelo posto num estilo determinado pela língua sejam as latinas (italiana, francesa, espanhola e portuguesa) ou as germânicas ou anglo-saxônicas. Essas tradições construídas enquanto traduções e citações de um conhecimento compreendido entre a razão e magia, entre a Alquimia de Paracelsus ou a Cabala de Alberti, apresenta uma síntese de um significado de visão de mundo e prova do temperamento da cultura moderna.
A escrita por meio da reprodução dos copistas foi, aos poucos, substituída pela vocação à escrita pela escrita. A razão viria para espantar os “fantasmas da febre” no delírio assombroso que a metafísica da Igreja legou aos fiéis, sendo posto a prova com argumentos de uma consciência científica e filosoficamente materialista. A saber, pela visão de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, retomando em princípio Aristóteles. O ócio, o desejo de aprender, a vida livre, a ausência de regras definidas além da possibilidade de contemplação da vida era a condição desse novo pensador renascentista, aliado a figura grega do mentor enquanto o jovem intelectual torna-se um escrivão das lições aprendidas. O mestre acompanha até onde pode seu discípulo o ensinando sobre a distinção entre a verdade e sua suspensão de validade se não for verificável em ideias e em realismo.
A academia atual ainda preserva esse papel de um preceptor intelectual como no caso das relações entre orientadores e orientandos. A busca por um discurso onde a palavra em si consiga dar provas de percuciência, sem procurar opor diretamente os sentidos e a tecnologia, as obras da mente humana como máquinas e engenharias, são tomadas como fatos naturais antes da revolução científica, como o exemplo da teoria da Evolução, consideradas como derivada de causas divinas.
 No entanto cabe a mim lembrar que os pensamentos estão na mente, um lugar que não reconhece como limite a natureza. Oxalá “que minha mão não trema” no momento de principiar a observação da dedução do grande mundo social ante os espelhos dos grandes livros e imagens, essas escrituras que, a partir de agora, científicas e racionais, passam a compreender e modelar a realidade.


quinta-feira, 20 de março de 2014

Zauber Zeit Entwurf


Or the science  of reborn.

Hoje, 20 de março, eu e mais alguns intelectuais brasileiros como : 

Luis Flávio Reis Godinho, Luiz Paulo Oliveira, Salete Nery, Wilson Rogério, Valdir Alves, Cesar Damásio, Ezequias Amorim  Oliveira, Maurício F. Silva, Jurema Machado, Sílvio Benevides, Antonio Eduardo, Graça Druck, Selma Silva, Jair Silva, Antônio da Silva Câmara, Adriano Pereira Santos, Giuliana Franco Leal,  Cristiano Ramalho, Paulo Sérgio da Costa Neves, Claudete Gomes, Danilo Martuscelli, Geraldo Augusto, Angêla Maria Araujo, Maíra Abreu, Tete Magalhães e o Centro Acadêmico Ciências Sociais da UNIFAL

recebemos em nossas caixas de entrada um importante email encaminhado pelo Cientista Social marxista Bruno Durães.

Este Blog, havia se encerrado por motivos que não quero agora comentar. Não são o mais importante neste momento. Agora, o que importa é atentarmos para a atual situação institucional da sociologia no ensino médio. Segundo o email, há um deputado federal (Ilzaci Lucas Ferreira PSDB/SP) tentando retirar a sociologia e a filosofia do currículo escolar. Atenção, muita atenção. Esse movimento assemelha-se ao movimento da ditadura. Estamos de olho e ficaremos atentos para preservar nossos direitos e nossos saberes. Nesse sentido, encaminham-se  para ser assinada uma petição e os links onde se pode ler mais sobre o assunto.


===
§
Ao Presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves: Nós somos contra o Projeto de Lei nº 6.003, 2013

"O Projeto de Lei nº 6.003, 2013 do Deputado Federal Izalci (PSDB) visa a alteração dos arts. 9º, 35 e 36 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, de diretrizes e bases da educação nacional (LDB). O artigo 36 diz respeito à obrigatoriedade das disciplinas de Filosofia e Sociologia nos currículos escolares. E o Deputado Izalci deseja eliminar essa obrigatoriedade, ele pretende criar uma única disciplina, a fim de suprir o exercício de cidadania.

O problema disso, além de tratar como uma única disciplina, duas áreas do conhecimento que são completamente distintas, é a perda nos currículos escolares, uma vez que não sendo obrigatórias, diversas escolas podem optar por não disponibilizarem o conteúdo. E ainda que esteja disponível nas escolas, direcionar a Filosofia e Sociologia para o exercício da cidadania é despotencializar o que essas disciplinas tem a oferecer, qual seja, os conhecimentos reflexivo e crítico.

Não podemos permitir que nos tirem o aprendizado que extrapola a formalidade das demais disciplinas. É preciso que os jovens tenham a oportunidade de aprenderem a pensar por si mesmos, entretanto, com embasamento teórico e prático para fazê-lo e, ao eliminar a obrigatoriedade da Filosofia e Sociologia da grade curricular, estamos correndo o risco de deixar que formem no ensino médio jovens alienados e sem teor crítico. "

§

Leia sobre:




Assine:




sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Queime quando acabar de ler.

Escola de Sociologia e Política de São Paulo, 1972. Foto de Claudio Kahns
Razões suficientes para me aventurar nesta empresa, seja ela um ciber-espaço para atualizações, ou o acompanhamento de investigações de fundo crítico-sócio-histórico-literário, ainda que em forma embrionária, encontraram sua gênese, em opiniões que por algum motivo aleatório, se apresentaram como possíveis pontos de vista com os quais não compartilho, ou melhor, não me permito ingenuamente reproduzir.


Modestamente, não sei se é caso de tomar partido nesse momento ou se é um instante para fazer uma avaliação de que correntes de pensamento tem ocupado o território de conjecturas conceituais e teóricas no campo das ciências sociais ao qual eu tenho recentemente me dedicado com certo cuidado e ressalvas, porém no entanto, não tenho deixado de realizar, por ora, incursões em terreno tão extraordinário, quanto por demais complexo.



As "razões" que motivaram a criação desse blog podem ser descobertas ao rever os posts, o que, no entanto, não impede que eu possa esclarecer que além de ter a comum ideia de compartilhar, com quem interessar possa, leituras sobre teóricos e algumas de suas obras além de posteriores olhares sobre estas, fica claro que o exercício de estudar temas e autores de relativo interesse, sirva como uma postura de iniciação ao campo em observação.

Antes que se acabe, escrevo as minhas últimas palavras neste blog que me acompanhou no momento de terminar a graduação, se não fosse por ele... teria sido muito mais difícil chegar ao final. Concluída a graduação vou dar um tempo e em breve começo algum novo projeto, no entanto publicações em Ciências Sociais e em especial sociologia tem agora um novo destino. As revistas científicas serão a prioridade. Para quem acompanhava o Blog, deixo este último texto como reconhecimento aos leitores que acompanharam essas mal traçadas linhas.
   

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

LAUDA XXXI


Elementos para a compreensão crítica de pontos da História Econômica Geral

Com Daniel Rocha*
À Prof.ª Dr.ª Rita Almico**
2010*** 
1.
      Tomando como “ponto de partida” a escola teórica marxista e como aporte histórico-econômico a emergência do capitalismo enquanto modo de produção – onde o conjunto das “relações sociais” se desenvolvem através do complexo processo de produção da vida material de uma dada sociedade funcionando pela troca (comércio,circulação,distribuição) de mercadorias, alicerçada na preservação e manutenção da propriedade privada sendo o trabalho  por esta forma assalariado), as “forças produtivas” entendidas enquanto capacidades de transformação da natureza, estas que são percebidas em elementos  tais como meios de produção do trabalho, a exemplo: a matéria-prima, os instrumentos, o conhecimento científico gerado nesta sociedade, as fontes e forma de obtenção de energia, etc.
      Desdobrando assim outra categoria marxiana denominada: “relações de produção” – nas quais para Karl Marx, na ação de produzir, os homens agem sobre a natureza, mas também sobre si mesmos engenhando dessa forma atrelamentos e “relações sociais necessárias” – que caracterizam o modo pelo qual o homem está inserido no processo produtivo e qual o seu posicionamento no ordenamento social, sendo assim resultado da hierarquização das classes.
Não obstante, ambas categorias explanadas estão intimamente ligadas a outra forma teórica da ciência econômica marxista denominada “relações de propriedade” – analisadas sob a lente da história as distintas formas das relações com a propriedade está ligada ao progresso das relações sociais –  as quais no  sistema capitalista possuem um teor privado, no qual os bens de consumo e de produção podem são dominados por um proprietário ou uma instituição, e alcança seu auge na conversão de qualquer atividade produto do trabalho e, por conseguinte, o próprio trabalho em mercadoria.
 2
2.1.
 A organização social percebida no sistema comunal primitivo ou modo de produção gentílico é a formação social para o trabalho pertinente à família. O estrato familiar, fundamentada na divisão sexual do trabalho, é a entidade de produção.
      Onde há a lacuna do Estado e também da propriedade particular. A formação social se manifesta em função dos vínculos de parentesco. Em Marx percebe-se que os modos de produção antigo, asiático e feudal em suas fases desenvolvimento, guardada as devidas proporções, estavam subentendidos na sociedade comunal primitiva.

2.2.
      A segunda fase histórica do progresso das relações que tangem a propriedade – “comunal e estatal da antiguidade” – diz respeito ao modo de produção organizado pela divisão social do trabalho em comércio e trabalho ligado à agricultura, o que da à luz uma vertical oposição entre campo e cidade. Alicerçada na escravidão, forma de produção sistematizada na Antiguidade, a exemplo do caso de sociedades como desenvolvimento do Estado romano. Ainda que houvesse a instituição do trabalho livre, a escravidão é fonte de exploração do trabalhador e o escravo, conseqüente, mercadoria central nas relações de produção no tempo antigo.
      O modo de produção antigo está diretamente atrelado ao surgimento e desenvolvimento das cidades. Não obstante estas permanecem ligadas e dependentes da formas de subsistências gestadas no campo. A propriedade privada surge neste modo de produção.


2.3
      O Feudalismo, a era da “propriedade feudal ou por estamentos”, tendo o modo de produção feudal que entra em emergência como fusão e reordenamento dos modos de produção germânico e escravista. Dando origem a próxima formação histórica da propriedade. A formação histórica e social era agrária e possuindo o feudo como matriz independente de produção. A propriedade antes pública ou particular torna-se propriedade coletiva dos senhores feudais.  No processo econômico os servos são a classe explorada e pilar da produção. O regimento da servidão produz a dependência do servo à gleba e a produção material é voltada para o senhor do feudal.

2.4.
      Tem-se então o modo de produção asiático, oriental ou despótico no qual a “propriedade comunal ou tribal” é estrutura de sua arquitetura. O funcionamento da produção desse sistema é a servidão coletiva, pela qual a produção é voltada para o ente Estado. São modelos elevados deste modo de produção a Mesopotâmia e o Egito. A unidade de produção auto-suficiente de agricultura e manufatura corresponde à aldeia comunal, assim ocorre uma superação da dicotomia cidade/campo.
      O formens asiático funda-se nos vínculos fixos que o sujeito tem com a coletividade. Metabolismo social este assegurado pela ação coercitiva do poder de um déspota que mantém de tal modo de produção.
3.



3.1
      O modo de produção feudal para Marx é aquele em que o produtor domina os meios de produção e aparece como mecanismo produtivo independente. Essa independência em relação à classe dominante vai ocasionar uma disputa constante entre nobres e servos na luta pela terra, já que essa constitui o eixo central de sustentação desse sistema. Dobb, por sua vez, acredita que havia uma variabilidade relativa desse sistema dependendo do local a ser analisado. Ele constata que a melhor forma de definição é aquela caracterizada como “jurídico-política”, a qual a relação vassalo e soberano garantia os laços de servidão, sendo a característica essencial desse modo de produção.  Já Sweezy desconsidera a análise feita por Dobb, e considera que os laços de servidão  e o sistema feudal não coadunam. O feudalismo para ele é aquele no qual a os valores de uso e elementos externam atuam como força motriz de uma “dinâmica” feudal.   Perry Anderson em seu texto faz uma análise estritamente política na qual o Estado Absolutista seria resultado de uma herança feudal, em que uma nobreza reinventada detinha o poder, e que por ser a terra ainda um eixo determinante dessa sociedade, ela era eminentemente feudal.

3.2
      Dentre as várias críticas feitas aos trabalhos de Dobb, as que mais causaram impactos foram as de Sweezy. O debate foi construído dentro do escopo da escola marxista, porém devido à amplitude do mesmo, atingiu outras escolas de pensamento. Além das questões referentes à transição dos modos de produção, a própria metodologia marxiana seria discutida. Neste viés de discussão epistemológica, Sweezy atribuía a desintegração do sistema feudal a fatores externos, no caso o renascimento comercial. Segundo ele, as contradições internas do feudalismo não culminariam no fim do feudalismo. Por outro lado, Dobb sustenta a idéia de que “a necessidade crescente por maiores rendimentos por parte da nobreza resultou na intensificação da exploração sobre os servos até níveis insuportáveis, acentuando a luta de classes e determinando, no longo prazo, o colapso da economia feudal”.
      A importância deste debate reside no fato de compreender as aplicações das teorias marxistas enquanto métodos de investigação histórica.

3.3
      Em relação à Sweezy, Mariutti acredita que ele dá muita importância as relações comerciais, considerando-a como força motriz capaz de desestruturar o feudalismo, não encontrando, portanto sustentação na teoria marxista. Já em relação à Dobb, que apesar de considerar como fator preponderante fatores internos como a luta de classes entre nobres e servos pela posse da terra, não conseguiu obter sucesso já que Mariutti acredita que o feudalismo não foi um modo de produção (o que constitui um equívoco).
4.
      As afirmações de Perry Anderson e Sweezy sintetizam o modo como o Estado Absolutista possuía em sua formação uma dominação exercida pela aristocracia feudal. O Estado nada mais era do que uma recomposição de uma nobreza que queria continuar detendo o poder, o que de certo modo se contrapõe a teoria de Engels, o qual acreditava que existia um equilíbrio de poder entre uma nobreza decadente e uma burguesia em ascensão.
      Apesar de haver características similares com o Estado tipicamente burguês como o exército, direito instituído e burocracia, ainda havia uma grade concentração de camponeses no campo evidenciando relações feudais persistentes e, de certo modo, dominantes.
5.



5.1
      Para Perry Anderson as “inovações” do Estado Absolutista vão caracterizar uma nova forma de tratar as relações feudais e serão essenciais para a passagem do feudalismo para o capitalismo. A institucionalização do mercantilismo pelo Estado Absolutista vai promover a expansão das relações comerciais que vão implicar na mudança estrutural de exploração agrária feudal. Se anteriormente a exploração do camponês se dava através de laços servis, agora ela foi diluída e transformou o camponês em ‘trabalhador livre’ e sujeito a ‘contrato salarial’, e promoveu a ascensão de uma burguesia urbana. “A ordem política permaneceu feudal e, ao passo que a sociedade tornava-se cada vez mais burguesa” (ANDERSON, Perry apud Engels), já quem detinha o poder político nesse momento era uma aristocracia feudal que tinha sofrido transformações ao longo da Idade Média. 
      Com a expansão mercantilista e uma ascensão burguesa, do ponto de vista econômico era necessária a introdução de um mecanismo que regulasse a propriedade privada e que permitisse a livre circulação de capital, nesse momento é que vai ressurgir o direito romano o qual vai ter um papel fundamental já que uma das suas características essenciais é a concepção de propriedade privada absoluta da terra, sendo um marco da era moderna. O exército, por sua vez, deriva da necessidade da expansão e extração dos excedentes, e a guerra naquele momento era o modo mais rápido e racional de consegui-los.  A guerra, portanto vai permitir que a nobreza amplie aquilo que lhe dá mais poder: a terra. Já o surgimento do sistema burocrático no Estado Absolutista vai possibilitar tanto um melhoramento das cobranças de impostos quanto de controle econômico. Apesar de Perry Anderson considerar fatores como esses necessários a transição do modo produção feudal para o modo produção capitalista, vai tratá-los como paradoxais. Apesar de haver uma diluição dos laços feudais, nessa época ainda vai existir uma grande gama de camponeses que vão sofrer forte pressão do Estado, contrapondo-se a uma burguesia comercial em ascensão e que já dá forma as manufaturas pré-capitalistas. Outro exemplo é a burocracia instaurada no seio da monarquia, que nada mais é do que um resquício de uma nobreza feudal que quer se manter no poder e que não contribui com o Estado. Outro resquício de um período anterior são as guerras, que também são uma herança eminentemente feudal, no qual o príncipe para se manter no poder deveria dispor das “espadas”, vale lembrar que nessa época já se esboçava uma diplomacia que operava em nível micro que surgia apenas com o objetivo de conseguir apoio de pequenas comunidades que podiam vir a ser um entrave na gestão do monarca.

5.2
      O ressurgimento do Direito Romano na sociedade Moderna vai ser de grande importância, ele vai resultar na tentativa de construir um arcabouço jurídico em torno da garantia e delimitação da propriedade privada baseada nos preceitos clássicos, sendo o conceito de propriedade privada absoluta da terra uma de suas características principais e que marcam a época Moderna.
      Economicamente, vai proporcionar o início das relações capitalista com a livre circulação de capital na cidade e no campo, proporcionando a garantia dos interesses da burguesia comercial e manufatureira. Já politicamente, vai assegurar a manutenção do poder nas mãos de uma aristocracia feudal. O Direito Romano então pode ser considerado a arma intelectual das monarquias, a qual vai coincidir com seus objetivos de integração territorial e centralização administrativa; já que os reis nessas circunstâncias eram isentos de restrições legais, além de proporcionar, ainda que em pequena escala uma  distribuição do poder entre as classes proprietárias da época.



 * É estudante do bacharelado em Ciências Sociais na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB.
** Possui graduação em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1995), mestrado em História Econômica pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (2001) e doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense (2009). Foi professora adjunta da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e de pós graduação da Faculdade São Bento da Bahia, sendo atualmente professora adjunta da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense.
*** Realizamos eu e Daniel este texto como requisito para a aprovação na disciplina de História Econômica Geral, ministrada na UFRB, em Cachoeira pela Professora Rita Almico.