segunda-feira, 2 de julho de 2012

Lauda I


Apontamento crítico para A Ciência como Vocação, de Max Weber.



"O compromisso em que nos engajamos só é autêntico quando originado no centro de nosso ser."
Henry Miller

*******************
Quando dei por conta, que devia operar uma escolha científica, conhecendo-me, ou seja, manifestar uma ação social racional - a renuncia - para poder realizar a atividade intelectual enquanto beruf - profissão - surgiu em mim,  por sua vez, uma personalidade, uma auto-consciência pela besinnung - reflexão - , uma consciência de si, que possui como derivado o insulamento, no qual se pode ouvir a voz da "vocação". Ou, nas palavras de Max Weber

 "Sinto-me tentado, também aqui, a dizer que, quando um professor consegue isso, está ao serviço de poderes “morais”: a obrigação de criar claridade e sentimento de responsabilidade; e creio que será tanto mais capaz de o fazer quanto mais conscienciosamente evitar, do seu lado, o desejo de impor ou de  sugerir aos seus ouvintes uma tomada de posição"

A educação,  formação - bildung - , resultado de uma tomada de posição no mundo e na vida social, que é, e, ao mesmo tempo, revela relativo sentido e significado para ciência enquanto trabalho, representa objeto de crítica do pensador alemão Max Weber (1864-1920) em sua palestra para jovens universitários proferida em 1917 em Munique, quando da sua assunção a cátedra de Sociologia da universidade alemã.

Weber, jurista com formação nas aréas da Economia Política, História, Filosofia e Teologia, burguês de família protestante pautava o não engajamento do cientista, prezando pela objetividade nas Ciências Sociais, baseando-as na ética e na moral na busca pela verdade. Sendo norteado pelos principios da racionalização, intelectualização, burocracia, dominação e  se utilizava de conceitos como "tipos ideais" deixando perceber, ao longo de sua obra, um esforço por demonstrar uma certa história do progresso da razão.

***************************************

Em a "Ciência como Vocação", é posta em crise a questão da especialização frente a necessidade de progresso do fazer científico, que mediante a instrumentalização do conhecimento produzido põe um fim a universalidade, sugerindo que o cientista coloque "antolhos" sobre si. Desconstruindo assim a figura do gelehrter - o sábio erudito - para erigir a figura do forscher - o pesquisador, investigador - a partir das necessidades, tendo a pesquisa científica enquanto trabalho numa articulação entre o phänomen - fenômeno - e o  sinn - sentido.

Nesse certame, Weber aponta a primazia da razão sobre a irracionalidade, mas também indica que não é possível haver especialização sem paixão, principalmente pelo tema a ser investigado. Se nas palavras do autor "nada tem valor para o homem enquanto homem, se o não puder fazer com paixão." Logo, o  trabalho para ser realizado depende de inspiração, e ainda que o cientificismo oriente o processo, não há conhecimento produzido sem intuição, ou método elaborado sem imaginação - a lembrar da noção de "imaginação sociológica" de W. Mills.

Nesse contexto de equalização dos procedimentos formativos da atividade intelectual, observa-se a ciência enquanto trabalho criativo, e se nas palavras de Henry Miller, em A Sabedoria do Coração,  "a criatividade está no trabalho do cientista, como no do artista, do pensador e do esteta" não podemos também, por seu turno, discordar das palavras escritas em A Origem da Tragédia, quando Nieztsche nos diz que: "A razão funciona melhor quando a emoção esta presente".

A criação na ciência, o novo, fôlego de tudo que é moderno, do progresso depende é claro do controle daquilo que pode ser imprevisível no decorrer da pesquisa, mas deve antes de tudo orientar o talento, a fim de que se cumpra a tarefa e se realize a obra. O grande desafio é responder: "como fazer para dizer algo, que na forma ou no fundo, ninguém, como eu tenha dito ainda?"

******************************************

A ideia de vocação apresentada por Weber tem origens na concepção luterana, forjada no sentido de chamado, destino como aparece em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, e que assim denota a condução metódica da vida – lebensführung – apresentada sob o paradigma da sociologia substantiva, reflexiva, baseados na superação articulada da dicotomia de conceitos como erklären - explicação - e compreensão  - verstehen - atingindo o que se entende por sentido – sinn – que orienta a interpretação da  ação social pela sociologia alemã, nesse sentido da formação de uma determinada sociologia da religião alicerçada por uma espécie de teologia protestante.

"se tudo isto é assim, que é que , em rigor, a ciência traz de positivo à "vida" prática e pessoal? E  eis-nos,   mais uma vez perante o problema da sua "vocação". Antes de mais,  fornece conhecimentos  sobre a técnica que, mediante a previsão, serve para dominar a vida, as coisas externas e a ação dos homens (...) métodos de pensamento, instrumentos, formação."

Curiosamente a discussão termina no ponto da formação. O que justifica e dá sentido a ciência enquanto sentido em si mesmo é antes a função da descoberta, criação e superação, já que " toda a "realização" científica significa novas "questões" e quer ser ultrapassada, envelhecer", bem como o sentido moral e ético sustentando o direcionamento da emancipação humana, revestida por uma clareza de conhecer, debitada ao método, caminhando assim para a produção de conhecimento. E nessa estrada Weber aponta em a Ciência como Vocação, que “a vida acadêmica, é , portanto, uma acaso incontralável."

Dessa forma, se apresenta um estudo comparado entre o sistema de ensino superior alemão e o americano no início do século 20, onde evidenciamos no ambiente europeu uma habilitação para lecionar - privatdozent - a partir da qual o salário é gerado pelo nº de alunos nos cursos, e que a nomeação não é de fácil dispensa, sendo oferecido anos para a realização de trabalho científico, já no caso estadunidense inicia-se a carreira no magistério do ensino superior enquanto professor assistente, com salário definido pela instituição, podendo ser dispensado se não lotar os cursos que oferece e ainda leva anos sobrecarregado com atividades acadêmicas dificultando a realização de produção científica.

Na continuidade da análise sobre o professor universitário, ainda observa:

 “Sim, mas viemos às aulas para vivenciar algo mais do que simples análises e verificações de factos” – o erro é buscar no professor algo diverso do que eles encaram – um chefe, e não um docente, mas só como docentes nos é concedida a cátedra." 

Esse ponto do texto weberiano é de suma relação com o desenvolvimento final a que se dirigi a interpretação para o momento em que se sugere para "o individuo que, por si mesmo, se dê conta do sentido último das suas ações". Logo, a leitura aprofunda-se numa assomo de sentenças e axiomas sintomáticos para o entendimento da educação em face condição de intelectual no campo das Ciências Sociais, na modernidade, por exemplo:

 "se em tais condições, vale a pena que alguém adote a ciência como "vocação", ou se ela própria tem em si mesma uma vocação objetivamente relevante, - eis, de novo, um juízo de valor, a cujo respeito nada se pode dizer num auditório universitário. Pois o ensino que ali se dá pressupõe já uma resposta afirmativa. Pessoalmente, respondo pela afirmativa a esta questão, com o meu próprio trabalho. Mas supõe ainda uma resposta prévia à mesma questão o ponto de vista que, como a juventude actual, faz ou – quase sempre - imagina fazer do intelectualismo o pior dos demônios. De facto, para ela vale a frase: “Lembra-te de que o diabo é velho; por isso, faz-te velho, para o compreenderes”. Não se diz isto, naturalmente, a propósito da idade física, mas no sentido de que, perante tal demónio, o meio de acabar com ele, não é a fuga, como hoje com tanto gosto se faz, mas importa, primeiro,  inspecionar até o fim os seus caminhos, para averiguar qual o seu poder e quais os seus limites".
O texto se arranja no sentido de justificar seus próprios argumentos levando em conta "o facto de a ciência ser, hoje, uma “profissão” que se realiza através da especialização em prol da tomada de consciência de si mesmo e do conhecimento de determinadas conexões reais, e não um dom gratuito, fonte de bênçãos e de revelações, na mão de visionários e de profetas, nem também uma parte integrante de sábios e de filósofos  sobre o sentido do mundo – constitui um dado inelutável da nossa situação histórica, a que não podemos escapar, se quisermos ser fiéis a nós próprios."
"Até então, a ciência  ainda não produziu os seus monumentos ciclópicos: para isso também chegara o tempo"  Nieztsche, em A Gaia Ciência.
Situação histórica essa que deixa entrever que as fronteiras do conhecimento, dissipada pelo sol da ciência, e arregimentada pelo sentimento de "entzauberung des welt" - desencantamento do mundo - que desde a dissolução do estado de pré-religião - leia se religião no sentido apicado por Weber, de uma metafísica, gerada por profecias racionais, que dotam o mundo de uma moral e ética que atribuem sentido interior a vida do homem - da magia enquanto processo mágico, mítico, ritual, a desmagificação do mundo pela religião e pela ciência leva a uma racionalização técnico-científica derivando uma secularização e conformando a ascese protestante onde

"Toda teologia é racionalização intelectual do conteúdo salvífico da religião. Nenhuma ciência carece inteiramente de pressupostos, nenhuma consegue fundamentar o seu próprio valor, frente àqueles que rejeitam estes pressupostos. No entanto, a teologia introduz, além disso, para o seu trabalho e para a justificação da sua existência, alguns pressupostos específicos. Cada teologia, inclusive a hindu, parte do pressuposto de que o mundo deve ter um sentido – e a sua questão é esta: como se deve ele interpretar, para que se torne possível pensá-lo?"

No campo da Filosofia e das Artes, Weber retoma Kant e Lukács, este que frequentou os Círculos de Hilderberg, na Alemanha. Em maneira ainda mais polêmica Henry Miller, discute sob a forma de que como

" (...) Cheguei aos prototipos da história da cultura humana, aos mitos que explicam como era compreendido o ato criativo. Não uso a palavra mito no sentido atual e deturpado de "inverdade" trata-se de um erro que só poderia ser cometido por uma sociedade que ficou tão embriagada com acumulação de fatos empíricos que permanece completamente fechada à sabedoria mais profunda da história humana, Mito é o sentido, o significado, a representação dramática da sabedorial moral da raça.O mito usa a totalidade dos sentidos e não apenas o intelecto."

Enquanto o escritor norteamericano crítica essa visão logocentrista, Weber reforça seus argumentos por

"Trata-se de uma situação idêntica à da teoria kantiana do conhecimento, que parte do pressuposto de que "existe a verdade cientifica e é válida"  e em seguida, pergunta: sob que pressupostos racionais é isto (significativamente) possível? Ou idêntica também à situação dos estetas modernos, que partem do pressuposto explícito (assim B. G. von Lukács) ou, o factual, de que "existem obras de Arte" - e em seguida, se interrogam: como é isto (significativamente) possível? 

O "esteta moderno", Henry Miller, por sua vez responde: 

"Quando estudamos um quadro - o que é necessário para realmente vê-lo, especialmente em se tratando de arte moderna -, experimentamos um novo momento de sensibilidade. O contato com o quadro desperta em nós uma nova visão, algo de especial nasce no nosso íntimo". 

Tanto a Arte quanto a Ciência, ainda que cada uma a seu modo levam o homem a um resultado no qual encontram-se o homem e sua sociedade com os "significados espirituais de uma cultura" para fazer frente de maneira crítica aos "símbolos de ansiedade e alienação" gerados pelo modos vivendi da sociedade capitalista moderna.

E assim ficamos com a passagem do pensador alemão que nos deixa intrigante mensagem: 

"é necessário lançar-se ao trabalho e responder -  como homem e de um modo profissional - à "exigência de cada dia". Mas isto é simples e singelo, se cada qual encontrar o demônio que segura os cordelinhos da sua vida e lhe prestar obediência".

Qual o moderno poeta francês, Charles Baudelaire que, no seu poema de abertura do livro, Les Fleurs du Mal (1857), Au Lecteur, nos diz que: 

"C'est le Diable qui tient les fils qui nous remuent!

(...)
Tu le connais, lecteur, ce monstre délicat,

- Hypocrite lecteur, - mon semblable, - mon frère!"