sábado, 13 de abril de 2013

LAUDA X


Pierre Bourdieu: Por uma macrossociologia entre campos e habitus, estruturas e práticas no contemporâneo.



“A máquina de costura só foi inventada quando as pessoas deixaram de imitar os gestos da costureira: sem dúvida, a sociologia tiraria a melhor lição de uma justa representação da epistemologia das ciências da natureza se se empenhasse em proceder à verificação permanente de que está construindo verdadeiramente máquinas de costura, em vez de transpor, de forma irrelevante, os gestos espontâneos da prática ingênua” (BOURDIEU, P.,CHAMBOREDON, J-C., PASSERON, J-C. Ofício de sociólogo: metodologia da pesquisa na sociologia.4ª Ed.. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004, p.36)
Introdução

No exercício de construção de uma literatura científica, com bases em vista da formação de um novo paradigma teórico, metodológico e epistemológico para as Ciências Sociais, a obra do francês Pierre Bourdieu (1930 – 2002) é um rico e ilustrativo exemplo da possibilidade de uma concatenação e orquestração de postulados clássicos, para fins de estabelecer premissas que possam corroborar na busca por esquemas de interpretação da realidade social e do lugar do sociólogo na atualidade.

Assim, no percurso povoado por obras como Profissão de Sociólogo: Preliminares epistemológicas[4] (1999), O senso prático (2009), A economia das trocas simbólicas entre outras, se espraia, de tal maneira, num vasto horizonte intelectual uma perspectiva crítica de síntese do pensamento clássicos em sociologia, desdobrando-se numa abordagem construtivista estrutural – macrossociológica – dos fenômenos sociais e suas relações com os indivíduos e de forma que o mundo social que é visto, entendido e interpretado à luz de um complexo de conceitos e categorias tais como habitus, campos, práticas, estruturas estruturantes, estruturas estruturadas, o que se revela enquanto estratégia teórica encarnada em um aporte metodológico rígido que possibilita por sua vez a emergência de um protótipo epistemológico relacional onde se funda traços da ciência social moderna.

Logo, apresentados a esse prisma, breve e rarefeito, do pensamento do sociólogo francês em questão, possamos agora nos aprofundar numa busca por uma visão analítica e uma compreensão ainda que recortada de pontos cruciais da estrutura de pensamento deste cientista social de nosso tempo.

I – A práxis da ruptura, o ofício e a vigilância científica: A epistemologia como balança entre a teoria, método e objeto de pesquisa Ciência Sociais.

Em Bourdieu, o anseio pela “modelagem” de novas formas de construção dos pontos de vista críticos acerca do real são quase obsessão, desde a Miséria do Mundo com suas entrevistas e engenho de dados quantitativos aliados a depoimentos onde se ouve o eco da subjetividade, aparece uma nova proposta, de certa forma, onde alinham-se a técnica do pesquisador ao olhar mais apurado desenvolvido sobre seu objeto, ou seja, uma espécie de “práxis cientifica” se origina no seio do pensamento social; o que por sua vez requer do sujeito pesquisador uma consciência do seu trabalho no qual uma “distinção” entre as formas de conhecimento se elaboram, a partir da qual se opera uma insidiosa relação entre “comunidade científica” que legitima, avalia e coordena os valores da “atividade científica” o que apresenta no contexto da sociologia  do conhecimento como “força” que age no campo afim de conter e administrar as rupturas causadas por revoluções científicas as quais transformam os movimentos internos da prática teórica  bem como seus paradigmas e os pontos de partida para a construção de hipóteses e como desenvolvê-las em face as contradições que se evidenciam na práxis da pesquisa empírica – rompimento com o senso comum, vigilância científica – em decorrência do complexo crítico entre metodologias e orientações epistemológicas que norteiam o fazer sociológico e suas nuances.

II. A lógica sociológica: a ossatura e o holograma da teoria social bourdiana.

A sociologia é o plano cartesiano onde se ligam ponto a ponto os pressupostos da teoria social e das ciências humanas como um todo abrangente e (ina)harmônico  no qual se agregam possibilidades de apontar caminhos para o estudo da vida em sociedade.

Nesse sentido, o autor em questão, ao abordar um elaborado arquipélago de conceitos, nos lega um conjunto de chaves interdependentes e suas implicações. O que diz respeito às questões de aplicação a uma realidade específica, nos atentaremos para o campo das Artes. Sobre o qual Bourdieu explicita e delineia contornos através dos quais categorias como estrutura, habitus[11] – “arte de inventar” que “confere as práticas sua independência relativa em relação às determinações exteriores do presente imediato” – e práticas[12] – “atividade real como tal” – ganhar forma de maneira que a impressão refletida da teoria permite um debate sobre alcance e validade do projeto teórico de Bourdieu.

É mister partirmos do esclarecimento de que  para o artista das estruturas servem como instâncias de consagração sejam as academias, os museus, as universidades, no livro Amor pela arte, Bourdieu explana sobre o fazer artístico, as relações entre os espaços de exposição da prática artísitca e seu encontro com o público. A imprensa, as editoras, toda a estrutura que aloca e mobiliza as forças em torno da obra de arte funcionam como agentes que acionam e dão margem de crescimento do capital cultural, social e simbólico da obra de arte a ser produzida.

Já na obra o Senso Prático...

“Nada é mais enganador do que a ilusão retrospectiva que revela o conjunto dos traços de uma vida, tais como as obras de um artista ou os acontecimentos de uma biografia, como a realização de uma essência que lhes preexistiria: da mesma maneira que a verdade de um estilo artístico não está inscrita em germe em uma inspiração original, mas se define e se redefine continuamente na dialética da intenção de objetivação e da intenção já objetivada, da mesma maneira é pela confrontação entre as questões que não existem senão pelo e para um espírito armado de um tipo determinado de esquemas e de soluções obtidas pela aplicação desses mesmos esquemas, mas capazes de transformá-los, que se constitui essa unidade de sentido que, retrospectivamente, pode parecer ter precedido os atos e as obras anunciadoras da significação final, transformando retroativamente os diferentes momentos da série temporal em simples esboços preparatórios” (BOURDIEU, 2009, p.91)

O artista por sua vez, que é indivíduo, mas que é imagem e representação de um grupo, é ele quem incorpora uma coletividade de maneira que corporifica gostos e assume posturas, aponta estéticas e identifica tendências para engendrar um olhar e uma prática social consubstanciada num habitus – ainda que considerando as “dificuldades propriamente científicas que faz surgir” – que se forma na condição em que se estabelece no “jogo” do sujeito ou do seu grupo diante das classes sociais – que são configurados pela lógica da dominação entre os grupos dominantes e dominados – do capital econômico, político, sendo que a identificação se apresenta de acordo ao contexto das relações de poder e suas condicionantes o que aproxima a teoria do real.

III. “A Revolução não vai passar na TV”: Os limites da transformação e a reprodução social.

O arguto edifício intelectual, erigido pelos argumentos de Bourdieu, no decorrer da sua obra, nos possibilitam avistar um avatar através do qual a teoria social é um corpo de estruturas de pensamento e percepção da realidade arquitetadas, de modo tal, que o arranjo entre as forças que agem no interior da dinâmica social aparecem cimentadas sob o jugo da relação entre ordem – consubstanciada na força do habitus como nos diz, o autor em Senso Prático, que
 “nas formações sociais em que a reprodução das relações de dominação (e do capital econômico ou cultural) não é garantida pelos mecanismos objetivos, o incessante trabalho necessário para manter as relações de dependência pessoal estaria de antemão destinado ao fracasso caso ele não pudesse contar com a constância do habitus, isto é, o organismo que como grupo dele se apropriou e que ele é de antemão atribuído às exigências do grupo, funciona como a materialização da matéria coletiva, reproduzindo nos sucessores a aquisição dos predecessores” (BOURDIEU, 2009, p.90)
Além das normas e o conflito entre dominantes e dominados adornada pelas interações “sociais”, “simbólicas”, “econômicas”, “políticas” e “culturais” que tem por princípio a relação com o capital em suas mais variadas formas.

Tomando por base as multifacetas do sistema social capitalista, a teoria do francês, vêm com o intuito de trazer à tona um método que possa abarcar epistemológica e a sociologicamente as mais variadas gradações de manifestação das formas de dominação ou premiação que o processo coletivo oferece.
Por sua vez, nessa tarefa imposta a um projeto intelectual de tamanha envergadura nós conjecturamos entre outros entre outros desdobramentos, a limitação de transformação social, já que os movimentos societais, comandam as práticas sociais. O que nos revela a predominância da estrutura sobre o sujeito, do método e teoria em relação dialética com o objeto e da relação dialógica entre empiria e epistemologia em sociologia; assinalando de forma categórica o soerguimento da reprodução social como força de conservação da substância social.

IV – Considerações preliminares: Uma teoria, sua crítica e o não fim da análise.

Tendo partido em busca de uma fonte de recursos que salientassem os destaques no arcabouço teórico, metodológico epistemológico e indicassem sinais de cognição da sociologia e da sociologia do conhecimento de Bourdieu, encontrou-se pelo caminho uma ideia contundente de distanciamento no que tange ao ofício do sociólogo para que seja possível a produção de um método a partir do real e com bases empíricas sólidas, além de estar aliada a uma constante vigilância contra o espontaneismo de sociologias efêmeras.
Trata-se de escapar ao realismo da estrutura ao qual o objetivismo, momento necessário da ruptura com a experiência primeira e da construção das relações objetivas, conduz necessariamente quando hipostasia essas relações ao tratá-las como realidades já constituídas fora da história do individuo e do grupo, sem recair, no entanto, no subjetivismo, totalmente incapaz de dar conta da necessidade do mundo social: para isso, é preciso retornar a prática, lugar da dialética do opus operatum e do modus operandi, dos produtos objetivados e dos produtos incorporados da prática histórica, das estruturas e dos habitus. (BOURDIEU, 2009, p.86-87)
Deparamos-nos também com a tradição francesa bem representada nos conceitos de estrutura e seu envolvimento direto com a noção de construtivismo em face a objetividade nas ciências sociais, operando assim “um questionamento radical do modo de pensamento objetivista”, logo

“A teoria da prática como a prática evoca, contra o materialismo positivista, que os objetos são construídos, e não passivamente registrados e, contra o idealismo intelectualista, que o princípio dessa construção é o sistema das disposições estruturadas e estruturantes que se constitui na prática e que é sempre orientado para funções práticas.” (BOURDIEU, 2009, p.86)

Aparece também o lugar da praxeologia. Além de que a leitura de uma miscelânea de textos aponta para a coleção de abordagens dos conceitos e suas complexas aplicações e explicações. Pois que em vários aspectos os conceitos se adequam aos objetos das teorias e as relações que estas estabelecem com seus objetos frente a premissas metodológicas e pressupostos epistemológicos.

Enfim, preliminarmente surge do mosaico de vertentes do ambiente intelectual resultante da leitura crítica e analítica de parte da vasta obra deste autor, que a essência das suas arregimentações esta repousada sobre a lógica do “jogo” pela dominação e a função social que possui, ainda, uma  noção coletiva de hierarquia, em suas mais variadas formas e fontes de poder, que se apresentam no contexto da modernidade.





[11] “sistemas de disposições duráveis e transponíveis, estruturas estruturadas e predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, ou seja, como princípios geradores de práticas e de representações que podem ser objetivamente adaptadas ao seu objetivo sem supor a intenção consciente de fins e o domínio expresso das operações necessárias para alcança-los, objetivamente “ reguladas” e “regulares” sem nada ser o produto da obediência a algumas regras e, sendo tudo isso, coletivamente orquestradas sem ser o produto da ação organizadora de um maestro. (BOURDIEU, 2009, p.86)

[12] “Só se pode explicá-las, portanto, com a condição de relacionar as condições sociais nas quais se constituiu o habitus  que as engendrou e as condições sociais nas quais ele é posto em \ação, ou seja, com a condição de operar pelo trabalho cientifico a relação desses dois estados do mundo social que o habitus efetua, ao ocultá-lo na e pela prática” (BOURDIEU, 2009, p.93)

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