Elementos
para a compreensão crítica de pontos da História Econômica Geral
Com
Daniel Rocha*
À Prof.ª Dr.ª Rita Almico**
2010***
1.
Tomando
como “ponto de partida” a escola teórica marxista e como aporte histórico-econômico
a emergência do capitalismo enquanto modo de produção – onde o conjunto das “relações
sociais” se desenvolvem através do complexo processo de produção da vida
material de uma dada sociedade funcionando pela troca
(comércio,circulação,distribuição) de mercadorias, alicerçada na preservação e manutenção
da propriedade privada sendo o trabalho por esta forma assalariado), as “forças
produtivas” entendidas enquanto capacidades de transformação da natureza, estas
que são percebidas em elementos tais
como meios de produção do trabalho, a exemplo: a matéria-prima, os
instrumentos, o conhecimento científico gerado nesta sociedade, as fontes e
forma de obtenção de energia, etc.
Desdobrando assim outra categoria marxiana denominada:
“relações de produção” – nas quais para Karl Marx, na ação de produzir, os
homens agem sobre a natureza, mas também sobre si mesmos engenhando dessa forma
atrelamentos e “relações sociais necessárias” – que caracterizam o modo pelo qual
o homem está inserido no processo produtivo e qual o seu posicionamento no
ordenamento social, sendo assim resultado da hierarquização das classes.
Não obstante, ambas categorias explanadas estão
intimamente ligadas a outra forma teórica da ciência econômica marxista denominada
“relações de propriedade” – analisadas sob a lente da história as distintas
formas das relações com a propriedade está ligada ao progresso das relações sociais
– as quais no sistema capitalista possuem um teor privado,
no qual os bens de consumo e de produção podem são dominados por um proprietário
ou uma instituição, e alcança seu auge na conversão de qualquer atividade
produto do trabalho e, por conseguinte, o próprio trabalho em mercadoria.
2
2.1.
A organização
social percebida no sistema comunal primitivo ou modo de produção gentílico é a
formação social para o trabalho pertinente à família. O estrato familiar, fundamentada
na divisão sexual do trabalho, é a entidade de produção.
Onde há a
lacuna do Estado e também da propriedade particular. A formação social se
manifesta em função dos vínculos de parentesco. Em Marx percebe-se que os modos
de produção antigo, asiático e feudal em suas fases desenvolvimento, guardada
as devidas proporções, estavam subentendidos na sociedade comunal primitiva.
2.2.
A
segunda fase histórica do progresso das relações que tangem a propriedade –
“comunal e estatal da antiguidade” – diz respeito ao modo de produção
organizado pela divisão social do trabalho em comércio e trabalho ligado à
agricultura, o que da à luz uma vertical oposição entre campo e cidade. Alicerçada
na escravidão, forma de produção sistematizada na Antiguidade, a exemplo do
caso de sociedades como desenvolvimento do Estado romano. Ainda que houvesse a
instituição do trabalho livre, a escravidão é fonte de exploração do
trabalhador e o escravo, conseqüente, mercadoria central nas relações de
produção no tempo antigo.
O modo de
produção antigo está diretamente atrelado ao surgimento e desenvolvimento das
cidades. Não obstante estas permanecem ligadas e dependentes da formas de
subsistências gestadas no campo. A propriedade privada surge neste modo de
produção.
2.3
O
Feudalismo, a era da “propriedade feudal ou por estamentos”, tendo o modo de
produção feudal que entra em emergência como fusão e reordenamento dos modos de
produção germânico e escravista. Dando origem a próxima formação histórica da
propriedade. A formação histórica e social era agrária e possuindo o feudo como
matriz independente de produção. A propriedade antes pública ou particular
torna-se propriedade coletiva dos senhores feudais. No processo econômico os servos são a classe
explorada e pilar da produção. O regimento da servidão produz a dependência do
servo à gleba e a produção material é voltada para o senhor do feudal.
2.4.
Tem-se
então o modo de produção asiático, oriental ou despótico no qual a “propriedade
comunal ou tribal” é estrutura de sua arquitetura. O funcionamento da produção
desse sistema é a servidão coletiva, pela qual a produção é voltada para o ente
Estado. São modelos elevados deste modo de produção a Mesopotâmia e o Egito. A
unidade de produção auto-suficiente de agricultura e manufatura corresponde à
aldeia comunal, assim ocorre uma superação da dicotomia cidade/campo.
O formens asiático funda-se nos vínculos
fixos que o sujeito tem com a coletividade. Metabolismo social este assegurado
pela ação coercitiva do poder de um déspota que mantém de tal modo de produção.
3.
3.1
O modo de
produção feudal para Marx é aquele em que o produtor domina os meios de
produção e aparece como mecanismo produtivo independente. Essa independência em
relação à classe dominante vai ocasionar uma disputa constante entre nobres e
servos na luta pela terra, já que essa constitui o eixo central de sustentação
desse sistema. Dobb, por sua vez, acredita que havia uma variabilidade relativa
desse sistema dependendo do local a ser analisado. Ele constata que a melhor
forma de definição é aquela caracterizada como “jurídico-política”, a qual a
relação vassalo e soberano garantia os laços de servidão, sendo a
característica essencial desse modo de produção. Já Sweezy desconsidera a análise feita por
Dobb, e considera que os laços de servidão
e o sistema feudal não coadunam. O feudalismo para ele é aquele no qual
a os valores de uso e elementos externam atuam como força motriz de uma
“dinâmica” feudal. Perry Anderson em seu
texto faz uma análise estritamente política na qual o Estado Absolutista seria
resultado de uma herança feudal, em que uma nobreza reinventada detinha o
poder, e que por ser a terra ainda um eixo determinante dessa sociedade, ela
era eminentemente feudal.
3.2
Dentre as várias críticas feitas aos
trabalhos de Dobb, as que mais causaram impactos foram as de Sweezy. O debate
foi construído dentro do escopo da escola marxista, porém devido à amplitude do
mesmo, atingiu outras escolas de pensamento. Além das questões referentes à
transição dos modos de produção, a própria metodologia marxiana seria
discutida. Neste viés de discussão
epistemológica, Sweezy atribuía a desintegração do sistema feudal a fatores
externos, no caso o renascimento comercial. Segundo ele, as contradições
internas do feudalismo não culminariam no fim do feudalismo. Por outro lado,
Dobb sustenta a idéia de que “a necessidade crescente por maiores rendimentos
por parte da nobreza resultou na intensificação da exploração sobre os servos
até níveis insuportáveis, acentuando a luta de classes e determinando, no longo
prazo, o colapso da economia feudal”.
A importância deste debate reside no fato
de compreender as aplicações das teorias marxistas enquanto métodos de
investigação histórica.
3.3
Em relação à Sweezy, Mariutti acredita que
ele dá muita importância as relações comerciais, considerando-a como força
motriz capaz de desestruturar o feudalismo, não encontrando, portanto
sustentação na teoria marxista. Já em relação à Dobb, que apesar de considerar
como fator preponderante fatores internos como a luta de classes entre nobres e
servos pela posse da terra, não conseguiu obter sucesso já que Mariutti
acredita que o feudalismo não foi um modo de produção (o que constitui um
equívoco).
4.
As
afirmações de Perry Anderson e Sweezy sintetizam o modo como o Estado
Absolutista possuía em sua formação uma dominação exercida pela aristocracia
feudal. O Estado nada mais era do que uma recomposição de uma nobreza que
queria continuar detendo o poder, o que de certo modo se contrapõe a teoria de
Engels, o qual acreditava que existia um equilíbrio de poder entre uma nobreza
decadente e uma burguesia em ascensão.
Apesar de
haver características similares com o Estado tipicamente burguês como o
exército, direito instituído e burocracia, ainda havia uma grade concentração
de camponeses no campo evidenciando relações feudais persistentes e, de certo
modo, dominantes.
5.
5.1
Para
Perry Anderson as “inovações” do Estado Absolutista vão caracterizar uma nova
forma de tratar as relações feudais e serão essenciais para a passagem do
feudalismo para o capitalismo. A institucionalização do mercantilismo pelo
Estado Absolutista vai promover a expansão das relações comerciais que vão
implicar na mudança estrutural de exploração agrária feudal. Se anteriormente a
exploração do camponês se dava através de laços servis, agora ela foi diluída e
transformou o camponês em ‘trabalhador livre’ e sujeito a ‘contrato salarial’,
e promoveu a ascensão de uma burguesia urbana. “A ordem política permaneceu
feudal e, ao passo que a sociedade tornava-se cada vez mais burguesa”
(ANDERSON, Perry apud Engels), já quem
detinha o poder político nesse momento era uma aristocracia feudal que tinha
sofrido transformações ao longo da Idade Média.
Com a
expansão mercantilista e uma ascensão burguesa, do ponto de vista econômico era
necessária a introdução de um mecanismo que regulasse a propriedade privada e
que permitisse a livre circulação de capital, nesse momento é que vai ressurgir
o direito romano o qual vai ter um papel fundamental já que uma das suas
características essenciais é a concepção de propriedade privada absoluta da
terra, sendo um marco da era moderna. O exército, por sua vez, deriva da
necessidade da expansão e extração dos excedentes, e a guerra naquele momento
era o modo mais rápido e racional de consegui-los. A guerra, portanto vai permitir que a nobreza
amplie aquilo que lhe dá mais poder: a terra. Já o surgimento do sistema
burocrático no Estado Absolutista vai possibilitar tanto um melhoramento das
cobranças de impostos quanto de controle econômico. Apesar de Perry Anderson
considerar fatores como esses necessários a transição do modo produção feudal
para o modo produção capitalista, vai tratá-los como paradoxais. Apesar de
haver uma diluição dos laços feudais, nessa época ainda vai existir uma grande
gama de camponeses que vão sofrer forte pressão do Estado, contrapondo-se a uma
burguesia comercial em ascensão e que já dá forma as manufaturas
pré-capitalistas. Outro exemplo é a burocracia instaurada no seio da monarquia,
que nada mais é do que um resquício de uma nobreza feudal que quer se manter no
poder e que não contribui com o Estado. Outro resquício de um período anterior
são as guerras, que também são uma herança eminentemente feudal, no qual o
príncipe para se manter no poder deveria dispor das “espadas”, vale lembrar que
nessa época já se esboçava uma diplomacia que operava em nível micro que surgia
apenas com o objetivo de conseguir apoio de pequenas comunidades que podiam vir
a ser um entrave na gestão do monarca.
5.2
O
ressurgimento do Direito Romano na sociedade Moderna vai ser de grande
importância, ele vai resultar na tentativa de construir um arcabouço jurídico
em torno da garantia e delimitação da propriedade privada baseada nos preceitos
clássicos, sendo o conceito de propriedade privada absoluta da terra uma de
suas características principais e que marcam a época Moderna.
Economicamente,
vai proporcionar o início das relações capitalista com a livre circulação de
capital na cidade e no campo, proporcionando a garantia dos interesses da
burguesia comercial e manufatureira. Já politicamente, vai assegurar a
manutenção do poder nas mãos de uma aristocracia feudal. O Direito Romano então
pode ser considerado a arma intelectual das monarquias, a qual vai coincidir com
seus objetivos de integração territorial e centralização administrativa; já que
os reis nessas circunstâncias eram isentos de restrições legais, além de
proporcionar, ainda que em pequena escala uma
distribuição do poder entre as classes proprietárias da época.
* É estudante do bacharelado em Ciências Sociais na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB.
** Possui graduação em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1995), mestrado em História Econômica pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (2001) e doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense (2009). Foi professora adjunta da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e de pós graduação da Faculdade São Bento da Bahia, sendo atualmente professora adjunta da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense.
*** Realizamos eu e Daniel este texto como requisito para a aprovação na disciplina de História Econômica Geral, ministrada na UFRB, em Cachoeira pela Professora Rita Almico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário