Pierre Bourdieu: Por uma
macrossociologia entre campos e habitus, estruturas e práticas no contemporâneo.
“A
máquina de costura só foi inventada quando as pessoas deixaram de imitar os
gestos da costureira: sem dúvida, a sociologia tiraria a melhor lição de uma
justa representação da epistemologia das ciências da natureza se se empenhasse
em proceder à verificação permanente de que está construindo verdadeiramente
máquinas de costura, em vez de transpor, de forma irrelevante, os gestos
espontâneos da prática ingênua” (BOURDIEU, P.,CHAMBOREDON, J-C., PASSERON, J-C.
Ofício de sociólogo: metodologia da pesquisa na sociologia.4ª Ed.. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2004, p.36)
Introdução
No
exercício de construção de uma literatura científica, com bases em vista da
formação de um novo paradigma teórico, metodológico e epistemológico para as Ciências Sociais, a obra do
francês Pierre Bourdieu (1930 – 2002) é um rico e ilustrativo exemplo da possibilidade de uma concatenação e orquestração de
postulados clássicos, para fins de estabelecer premissas que possam corroborar
na busca por esquemas de
interpretação da realidade social e do lugar do sociólogo na atualidade.
Assim,
no percurso povoado por obras como Profissão
de Sociólogo: Preliminares epistemológicas
(1999), O senso prático (2009), A economia das trocas simbólicas entre
outras, se espraia, de tal maneira, num vasto horizonte intelectual uma
perspectiva crítica de síntese do pensamento clássicos em sociologia, desdobrando-se numa abordagem construtivista
estrutural – macrossociológica – dos fenômenos sociais e suas relações com os
indivíduos e de forma que o mundo social que é visto, entendido e interpretado
à luz de um complexo de conceitos e categorias tais como habitus, campos,
práticas, estruturas estruturantes, estruturas estruturadas, o que se revela
enquanto estratégia teórica encarnada em um aporte metodológico rígido que
possibilita por sua vez a emergência de um protótipo epistemológico relacional
onde se funda traços da ciência social moderna.
Logo,
apresentados a esse prisma, breve e rarefeito, do pensamento do sociólogo
francês em questão, possamos agora nos aprofundar numa busca por uma visão
analítica e uma compreensão ainda que recortada de pontos cruciais da estrutura
de pensamento deste cientista social de nosso tempo.
I – A práxis da ruptura, o ofício e
a vigilância científica: A epistemologia como balança entre a teoria, método e
objeto de pesquisa Ciência Sociais.
Em
Bourdieu, o anseio pela “modelagem” de novas formas de construção dos pontos de
vista críticos acerca do real são quase obsessão, desde a Miséria do Mundo com suas entrevistas e engenho de dados
quantitativos aliados a depoimentos onde se ouve o eco da subjetividade,
aparece uma nova proposta, de certa forma, onde alinham-se a técnica do
pesquisador ao olhar mais apurado desenvolvido sobre seu objeto, ou seja, uma
espécie de “práxis cientifica” se origina no seio do pensamento social; o que
por sua vez requer do sujeito pesquisador uma consciência do seu trabalho no
qual uma “distinção” entre as formas de conhecimento se elaboram, a partir da
qual se opera uma insidiosa relação entre “comunidade
científica” que legitima, avalia e coordena os valores da “atividade
científica” o que apresenta no contexto da sociologia do conhecimento como “força” que age no campo afim de conter e administrar as rupturas causadas
por revoluções científicas as
quais transformam os movimentos internos da prática teórica bem como seus paradigmas e os pontos de
partida para a construção de hipóteses e como desenvolvê-las em face as
contradições que se evidenciam na práxis da pesquisa empírica – rompimento com
o senso comum, vigilância científica –
em decorrência do complexo crítico entre metodologias e orientações
epistemológicas que norteiam o fazer sociológico e suas nuances.
II. A lógica sociológica: a ossatura e o holograma da teoria social bourdiana.
A
sociologia é o plano cartesiano onde se ligam ponto a ponto os pressupostos da
teoria social e das ciências humanas como um todo abrangente e (ina)harmônico
no qual se agregam possibilidades de apontar caminhos para o estudo da
vida em sociedade.
Nesse
sentido, o autor em questão, ao abordar um elaborado arquipélago de conceitos,
nos lega um conjunto de chaves interdependentes e suas implicações. O que diz
respeito às questões de aplicação a uma realidade específica, nos atentaremos
para o campo das Artes.
Sobre o qual Bourdieu explicita e delineia contornos através dos quais
categorias como estrutura, habitus – “arte de inventar” que “confere as
práticas sua independência relativa em relação às determinações exteriores do
presente imediato” – e práticas –
“atividade real como tal” – ganhar forma de maneira que a impressão refletida
da teoria permite um debate sobre alcance e validade do projeto teórico de
Bourdieu.
É
mister partirmos do esclarecimento de que
para o artista das estruturas servem como instâncias de consagração
sejam as academias, os museus, as universidades, no livro Amor pela arte, Bourdieu explana sobre o fazer artístico, as
relações entre os espaços de exposição da prática artísitca e seu encontro com
o público. A imprensa, as editoras, toda a estrutura que aloca e mobiliza as
forças em torno da obra de arte funcionam como agentes que acionam e dão margem
de crescimento do capital cultural, social e simbólico da obra de arte a ser
produzida.
Já na obra o Senso Prático...
“Nada
é mais enganador do que a ilusão retrospectiva que revela o conjunto dos traços
de uma vida, tais como as obras de um artista ou os acontecimentos de uma
biografia, como a realização de uma essência que lhes preexistiria: da mesma
maneira que a verdade de um estilo artístico não está inscrita em germe em uma
inspiração original, mas se define e se redefine continuamente na dialética da
intenção de objetivação e da intenção já objetivada, da mesma maneira é pela
confrontação entre as questões que não existem senão pelo e para um espírito
armado de um tipo determinado de esquemas e de soluções obtidas pela aplicação
desses mesmos esquemas, mas capazes de transformá-los, que se constitui essa
unidade de sentido que, retrospectivamente, pode parecer ter precedido os atos
e as obras anunciadoras da significação final, transformando retroativamente os
diferentes momentos da série temporal em simples esboços preparatórios”
(BOURDIEU, 2009, p.91)
O
artista por sua vez, que é indivíduo, mas que é imagem e representação de um
grupo, é ele quem incorpora uma coletividade de maneira que corporifica gostos
e assume posturas, aponta estéticas e identifica tendências para engendrar um
olhar e uma prática social consubstanciada num habitus – ainda que considerando as “dificuldades propriamente
científicas que faz surgir” – que se forma na condição em que se estabelece no
“jogo” do sujeito ou do seu grupo diante das classes sociais – que são
configurados pela lógica da dominação entre os grupos dominantes e dominados –
do capital econômico, político, sendo que a identificação se apresenta de
acordo ao contexto das relações de poder e suas condicionantes o que aproxima a
teoria do real.
III. “A Revolução não vai passar na
TV”: Os limites da transformação e a reprodução social.
O
arguto edifício intelectual, erigido pelos argumentos de Bourdieu, no decorrer
da sua obra, nos possibilitam avistar um avatar através do qual a teoria social é um corpo de estruturas de pensamento e percepção da realidade arquitetadas,
de modo tal, que o arranjo entre as forças que agem no interior da dinâmica
social aparecem cimentadas sob o jugo da relação entre ordem – consubstanciada na força do habitus como nos diz, o autor em Senso Prático,
que
“nas formações sociais em que a reprodução das
relações de dominação (e do capital econômico ou cultural) não é garantida
pelos mecanismos objetivos, o incessante trabalho necessário para manter as
relações de dependência pessoal estaria de antemão destinado ao fracasso caso
ele não pudesse contar com a constância do habitus, isto é, o organismo que
como grupo dele se apropriou e que ele é de antemão atribuído às exigências do
grupo, funciona como a materialização da matéria coletiva, reproduzindo nos
sucessores a aquisição dos predecessores” (BOURDIEU, 2009, p.90)
Além das normas e o conflito entre dominantes
e dominados adornada pelas interações “sociais”, “simbólicas”, “econômicas”,
“políticas” e “culturais” que tem por princípio a relação com o capital em suas
mais variadas formas.
Tomando
por base as multifacetas do sistema social capitalista, a teoria do francês,
vêm com o intuito de trazer à tona um método que possa abarcar epistemológica e a sociologicamente as mais variadas
gradações de manifestação das formas de dominação ou premiação que o processo
coletivo oferece.
Por
sua vez, nessa tarefa imposta a um projeto intelectual de tamanha envergadura
nós conjecturamos entre outros entre outros desdobramentos, a limitação de
transformação social, já que os movimentos societais, comandam as práticas sociais.
O que nos revela a predominância da estrutura sobre o sujeito, do método e
teoria em relação dialética com o objeto e da relação dialógica entre empiria e
epistemologia em sociologia; assinalando de forma categórica o soerguimento da reprodução
social como força de conservação da substância social.
IV – Considerações preliminares:
Uma teoria, sua crítica e o não fim da análise.
Tendo
partido em busca de uma fonte de recursos que salientassem os destaques no
arcabouço teórico, metodológico epistemológico e indicassem sinais de cognição da
sociologia e da sociologia do conhecimento de Bourdieu, encontrou-se pelo
caminho uma ideia contundente de distanciamento no que tange ao ofício do sociólogo para
que seja possível a produção de um método a partir do real e com bases
empíricas sólidas, além de estar aliada a uma constante vigilância contra o
espontaneismo de sociologias efêmeras.
Trata-se de
escapar ao realismo da estrutura ao
qual o objetivismo, momento necessário da ruptura com a experiência primeira e
da construção das relações objetivas, conduz necessariamente quando hipostasia
essas relações ao tratá-las como realidades já constituídas fora da história do
individuo e do grupo, sem recair, no entanto, no subjetivismo, totalmente
incapaz de dar conta da necessidade do mundo social: para isso, é preciso
retornar a prática, lugar da dialética do opus
operatum e do modus operandi, dos
produtos objetivados e dos produtos incorporados da prática histórica, das
estruturas e dos habitus. (BOURDIEU,
2009, p.86-87)
Deparamos-nos
também com a tradição francesa bem representada nos conceitos de estrutura e seu envolvimento direto com a
noção de construtivismo em face a objetividade nas ciências sociais, operando
assim “um questionamento radical do modo de pensamento objetivista”, logo
“A
teoria da prática como a prática evoca, contra o materialismo positivista, que
os objetos são construídos, e não passivamente registrados e, contra o idealismo
intelectualista, que o princípio dessa construção é o sistema das disposições
estruturadas e estruturantes que se constitui na prática e que é sempre
orientado para funções práticas.” (BOURDIEU, 2009, p.86)
Aparece
também o lugar da praxeologia.
Além de que a leitura de uma miscelânea de textos aponta para a coleção de
abordagens dos conceitos e suas complexas aplicações e explicações. Pois que em
vários aspectos os conceitos se adequam aos objetos das teorias e as relações que
estas estabelecem com seus objetos frente a premissas metodológicas e
pressupostos epistemológicos.
Enfim,
preliminarmente surge do mosaico de vertentes do ambiente intelectual
resultante da leitura crítica e analítica de parte da vasta obra deste autor,
que a essência das suas arregimentações esta repousada sobre a lógica do “jogo”
pela dominação e a função social que possui, ainda, uma noção coletiva de hierarquia, em suas mais
variadas formas e fontes de poder, que se apresentam no contexto da
modernidade.